07 de Outubro, 2021

Behavioral Science e a estratégia de marketing

A ciência por trás da escolha (ou não) dos clientes

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Ulisses Zamboni

Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara

Atribuído originalmente a Nietzsche, o provérbio ‘o diabo mora nos detalhes’ é amplamente usado por todos nós no trabalho, mas por ser melancólico demais para se iniciar um artigo, vou ficar com a versão do mesmo ditado um pouco mais otimista: ‘Deus mora nos detalhes’, essa atribuída à doutrina judaica que acredita que, para alcançar a perfeição material e moral, o homem depende sim das pequenas ações. 

O Behavioral Science – vou chamar daqui para frente apenas BS – é o típico ‘detalhe’ no mix de atividades de marketing e da comunicação que pode dar aquele nariz de vantagem na conversão de uma marca em detrimento a dos concorrentes. Apesar do assunto já se apresentar como um fundamento importante do marketing contemporâneo, o BS está longe de estar consolidado como ciência reconhecida e massiva, até porque ela mesma ainda está evoluindo à medida que os  ‘papers’ e estudos acadêmicos estão sendo amplamente produzidos e divulgados.

O tema começou a ficar ‘pop’ na primeira década dos anos 2000, mais precisamente no início da década, com o psicólogo social e professor convidado em Berkeley, Califórnia, Barry Schwartz, que lançou o livro “O Paradoxo da Escolha” (Na verdade, 2003 e 2004 foram anos importantes para o BS. Tanto Schwartz como Richard Thaller que menciono largamente adiante, lançaram publicações sobre o assunto).

Conhecido pelo seu estudo sobre a felicidade do homem, Schwartz estabelece uma correlação direta entre as escolhas que fazemos e a felicidade. No livro, ele direciona o conceito para a sociedade de consumo e introduz alguns dos vieses cognitivos que usamos frente às decisões de compra que temos (ou não).

Longa história curta, a tese de Schwartz aterrissa num insight importante para o marketing de hoje: quanto menos opções, melhor – ou seja, seu usuário se livra do peso e da dor de estabelecer critérios para escolha de um bem. Muitas opções paralisam, constróem dificuldade na hora da escolha e prejudicam a conversão. Bom, para quem é bombardeado como a sociedade atual por uma quantidade que vai de 6 a 10 mil mensagens publicitárias todas semanas, essa dor fica ainda mais forte.

Depois de 2004, vários outros acadêmicos também se tornaram autores da literatura de gestão com o assunto BS e ganharam notoriedade como Daniel Kahneman, Richard Thaler, Amos Tversky, Dan Ariely, etc, mas sempre cunhando seus estudos de Economia Comportamental ou Behavioural Economics. 

Behaviour(al) Economics versus Behaviour Science

Por ser ainda um assunto novo e pouco explorado especialmente aqui no Brasil (vale o destaque que na Europa, as consultorias e algumas poucas agências de comunicação estão dando um show de insights em BS para seus clientes) podem haver diferentes perspectivas quanto ao conceito de cada uma, mas em linhas gerais, Behavioral Economics  fica na interseção entre a Psicologia e a Economia, no sentido de que uma atitude (psi) tangencia uma tomada de decisão, com consequências econômicas, sejam elas financeiras ou não.  

Em bom portugês, imaginem a seguinte situação: são três horas de viagem de São Paulo ao litoral sul, onde fica a casa de praia do Tobias. Chegando lá para um final de semana ele percebe que esqueceu as chaves do imóvel. Do ponto de vista ‘econômico’, ou seja, das consequências factuais do esquecimento como: tempo de retorno para SP, o desequilíbrio emocional, os prejuízos financeiros, o comprometimento de atraso em compromissos na cidade, etc, acontece uma arquitetura complexa de decisão e de comportamento (behaviour) importante. 

O que ele poderia fazer: voltar para São Paulo? arrombar uma das portas da casa? pousar num hotel para não perder tempo do final de semana? mandar um Uber pegar a chave com a empregada? Quaisquer decisões a serem tomadas vão gerar desdobramentos econômicos para aquele curto prazo do Tobias no litoral.

Em 2002, Daniel Kahneman, matemático israelense, mas naturalizado americano, que também é doutor em psicologia comportamental, ganhou o Prêmio Nobel de Economia com uma teoria que traz ainda mais luz ao Behavioural Economics. É a ‘teoria da perspectiva’ que prova que as possibilidades de perdas influenciam mais do que as chances de ganhos nas tomadas de decisão.

Anos depois, em 2011, Kahneman e seu parceiro de estudos, o também matemático e psicólogo comportamental Amus Tversky lançam “Thinking, Fast and Slow” (na tradução brasileira, “Rápido e Devagar”), onde aprofundam seus conceitos da psicologia detalhando os dois jeitos como o cérebro funciona na hora da decisão.    

BS e o Capitalismo Libertário

Não é por falta de literatura que o BS vai padecer. Um outro ‘hit pop’ da literatura de Behavioral Economics é a do Livro “Nudge” (que em uma versão abrasileirada podemos chamar carinhosamente de “O Empurrãozinho”). Em 2008, Richard Thaler lançou este Best Seller e o reeditou nesse mês de Setembro de 2021 – participei do Webinar de Thaler do lançamento da versão mais atualizada do Livro – chamado “Nudge – The Final Edition“.

Nudge‘ é quando a gente dá aquele empurrãozinho no indivíduo com pistas ou assertivas que podem ajudar na complexa arquitetura cerebral de escolha para tomada de decisão. Quer um exemplo? Lembram do início do texto que falo do paradoxo da escolha e de como escolher muitos itens é penoso para o usuário? Pois bem, quando vamos ao restaurante e pedimos ‘o prato do dia’ estamos nos aproveitando de um ‘nudge‘ para escolher um prato do cardápio. Claro que esse é um exemplo raso e quase irrelevante, mas ilustra bem como o ‘nudge‘ age.   

Thaller é um cientista daqueles tipo tiozinho-genial-que-todo-mundo-quer-ter que dão entrevistas fofas para o National Geographic e Discovery Science. Calmo, sempre bem humorado e muito humilde como todo cientista seguro do que está falando, em 2003, num artigo para o University of Chicago Law Review, Thaller cunhou – junto com um amigo advogado – a expressão ‘Capitalismo Libertário’, termo que virou alvo de críticas desde então. 

Capitalismo Libertário define que é possível e legítimo que instituições públicas e privadas afetem o comportamento ao mesmo tempo em que respeitem a liberdade de escolha de cada um, bem como a implementação dessa ideia. Como vocês podem notar, o termo capitalismo em si já atrai lovers e haters mundo afora, que dirá então seu significado?   

Idiossincrasias sociais à parte, ‘Nudge‘ foi reeditado em 2021 com um capítulo a mais. Ele fala sobre “Sludge“, o oposto de ‘Nudge‘, que se refere à criação de fatos que, ao contrário, pretendem ser ‘nudges‘ mas viraram fricção para a decisão. Os ‘UXers‘ (designers de páginas na web que têm o objetivo de criar um layout tão fácil de navegar que deixa o usuário mais minutos na página visitada) sabem bem o que é um sludge

Um exemplo de ‘sludge‘ é o do The New York Times há alguns anos que vinha colocando um botão enorme escrito ‘subscribe‘ (‘assine’) em sua página de abertura com a intenção de facilitar o caminho para tal ação. Só que a maioria dos americanos estão cansados de serem impactados por assinaturas de publicações. A experiência de um designer do jornal mostrou que não era o tamanho do botão que facilitaria a ação de compra da assinatura, mas sim o comando do botão que foi alterado de ‘assine’ para ‘join‘ (‘junte-se a nós’). A mudança gerou um acréscimo de assinaturas por volta de 12%. 

BS e a ética

De acordo com Thaler, no Webinar que ouvi dele no início de setembro no lançamento da nova versão de seu livro (vale a dica do canal especializado em Behavioral Economics chamado ‘Inside BE‘), ele expressa um certo pesar pela massificação e pelo modismo do ‘nudge‘ ao redor do mundo tanto na iniciativa privada como nos governo. 

De acordo com Thaler, as empresas tech giants são experts em nudging, especialmente as plataformas de mídia social e streamings. A exemplo do Netflix, outros streamings também mantêm o espectador preso à tela no final de um episódios quando ‘empurra‘ o usuário para ver o episódio seguinte quando aparece aquela barrinha de segundos no canto inferior direito da tela. 

O governo americano ou os estados americanos que possuem suas leis próprias também tem abusado recentemente e pisado na linha tênue entre um empurrãozinho e a falta de ética. Doação de órgãos é um dos assuntos, por exemplo, quando o estado ao invés de sugerir um ‘opt in‘ na doação, ele põe como default um ‘opt out‘, ou seja, esse empurrão faz com que automaticamente todos os cidadãos daquele estado seja doadores, ficando para cada indivíduo se ‘desregistrar’ desta opção se não quiser ser um doador. 

Ou seja, o tema é extenso e vale ser aprofundado pelos gestores interessados em fazer uma comunicação mais assertiva, empática e que gere mais conversão. Em um próximo artigo pretendo dissertar sobre alguns casos de ‘nudges‘ que ajudaram algumas empresas a conquistar mais market share, receita ou clientes. E, quem sabe, contribuir para apoiar a reflexão sobre sua estratégia e negócio. Até o próximo!

No próximo artigo

Poderia escrever muito mais sobre o assunto. Como o assunto é vasto e tem povoado a cabeça de muitos gestores, resolvi dividir o artigo em duas partes. No próximo artigo, vou dissertar sobre alguns casos de ‘nudges‘ que ajudaram algumas empresas a conquistar mais market share, receita ou clientes. 

Aguardem.