26 de Setembro, 2025

De Kotler à IA: a anatomia do CEO contemporâneo

Conheça os cinco novos saberes que os líderes precisam para uma gestão mais competitiva

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Para cada tempo, seus desafios. Mas nunca foi tão complexo chegar à posição de CEO e, mais difícil, permanecer lá. Hoje o topo da cadeia alimentar corporativa desafia continuamente sua capacidade de integrar as dinâmicas de mercado com a tecnologia que suporta a operação e a gestão do negócio. E ainda exige – em especial, no marketing – uma leitura fina dos movimentos culturais que contornam a relação entre a empresa e toda a sua cadeia de valor, incluindo o público interno. É muita tarefa para um ser humano só, eu sei.

São camadas que se somam à já intensa rotina de colecionar saberes e gerir toda uma corporação no contexto BANI (acrônimo em inglês para frágil, ansioso, não linear e incompreensível). É a inescapável realidade de “ser CEO” neste primeiro quarter do século 21.

Você pode estar se perguntando se algum dia foi fácil. Desafios sempre houve. A diferença é que hoje chegamos a um momento único de exponencialidade de saberes, o que certamente carimba este tempo como o de maior desafio intelectual para os altos executivos. E também o que mais cobra deles lifelong learning.

A linha do tempo no ‘eixo de poder’ empresarial.

Na primeira metade do século 20, bastava o conhecimento profundo do chão de fábrica ou da operação em si para se adquirir poder e chegar à presidência. No setor de serviços,  especialmente em finanças, ser o expert “extraordinário” no seu segmento já o colocava à frente dos demais.

No entanto, a história mostra que o eixo de poder nas corporações foi migrando da verticalidade da especialização para a horizontalidade da orquestração. Da linha de produção (engenharia/operações) para a criação de produtos e serviços. Mais tarde, o departamento de marketing se instalou, lembrando todo de que o poder corporativo dança de acordo com as dinâmicas exógenas do mercado, e não com as demandas singulares de cada profissional ou segmento.

Só por curiosidade vou lançar mão da cronologia de Philip Kotler, talvez o mais popular dos autores de negócios que conhecemos, e montar uma régua Kotleriana que mostra como a lógica de ascensão ao topo da gestão nas empresas se desloca de acordo com as dinâmicas do mercado, da tecnologia e da sociedade, tendo a evolução do marketing como pano de fundo. 

Régua Kotleriana de topo de gestão nas empresas

1950 – 1990 

Nos anos de Kotler 1.0 (massificação e 4Ps clássicos do marketing – produto, preço, praça e promoção), o poder vinha da fábrica: eficiência, escala e distribuição. Não surpreende que o caminho que levava ao topo passasse pelo diretor industrial ou de operações. 

1990–2000

Em Kotler 2.0, início da fase de orientação ao consumidor, quando o cliente assume o centro da estratégia. Nesse momento, quem dominasse canal, marca, preço, marketing e comercial, ganhava tração para virar CEO. 

2010 

Kotler 3.0 desloca a régua para valores, reputação e licença social para operar. Jurídico, finanças, compliance e RH passam a arbitrar sobre riscos e a tomar decisões com no crescimento. A governança corporativa vem com força, abrindo caminho para a ascensão do Capitalismo Consciente no mundo. Daí em diante, a mudança acelera.

2016

O conceito de Kotler 4.0, publicado no livro Marketing 4.0: Moving from Traditional to Digital, pede CEOs forjados em tecnologia e produto, capazes de costurar jornadas do cliente e aptos para  lidar com dados e operar canais em tempo real.

2021

E no Kotler 5.0, consolidado no livro Marketing 5.0: Technology for Humanity, ele começa a consolidar um perfil mais híbrido: um integrador que alinha crescimento, tecnologia e lei, menos herói funcional, mais condutor de sistemas. É o executivo capaz de dar velocidade, com lastro: transformar dados em decisão e caixa, tecnologia em escala e compliance em trilho para inovar. Vale comentar que nunca sozinho, mas habilitando marketing (CMO), tecnologia (CIO) e jurídico (CLO) a tocarem a mesma partitura.

O que se sabe, de fato, é que a influência (e o poder) de um profissional numa corporação deriva do imperativo competitivo do mercado. O resultado é evidente: a presidência passa a ser ocupada por perfis de múltiplas áreas, espelhando os ventos dos ciclos competitivos de cada momento.

Os skills de um CEO  

Portanto, ser CEO hoje é integrar habilidades de C-levels de marketing, jurídico tecnologia para transformar dados em receita, tecnologia em escala e LGPD em trilho para inovar. Você não está nesse perfil, está fora do jogo. No estrito senso, você está sem poder. 

São saberes transversais que costuram o todo: entender de estatística e dados, avaliar medição com rigor, dominar economia comportamental junto ao processo de funil de decisão, que hoje está hiperfragmentado e permeado por influências laterais, e tomar decisões com a velocidade numa espécie de governança que permita dar agilidade ao processo, mas com confiança. 

Com tantas (e novas) variáveis e com tantos “expertises” somados, o inevitável é o aumento exponencial do risco. Mas, não tem jeito. Essas são as cartas do baralho atual.

Faz-se quase impossível não fazer referência ao Livro The Fifth Discipline, Peter Senge, professor sênior da MIT Sloan School of Management, conhecido por popularizar o conceito de organizações que aprendem. Mais do que nunca, Peter Senge está atual. Ele aposta no pensamento sistêmico empresarial onde a corporação aprende junto e é orquestrada sempre de forma compartilhada.  

Senge influenciou os negócios com suas práticas modernas de liderança, de estratégia e de mudança organizacional, especialmente em ambientes complexos e rápidos. 

O que mantém seu conceito de competitividade atual, mesmo 25 anos depois do lançamento, é a forma como conecta aprendizado contínuo e pensamento sistêmico à vantagem competitiva. Empresas que aprendem mais rápido e alinham pessoas, processos e tecnologia sustentam melhor o crescimento em contextos voláteis, marcados por internet e inteligência artificial.

E, não por acaso, essa é a grande tarefa do CEO, especialmente em tempos de velocidade nas tomadas de decisão para um crescimento sem perda de margem e com as responsabilidades de mercado reguladas pela Lei Geral de Proteção de Dados e Privacidade (LGPD).

5 novos saberes do CEO contemporâneo:

  1. Economia comportamental: para desenhos de contextos culturais que convertam o usuário a partir de afinidade e não por desconto ou promoção. 
  2. Modelagem de dados e estatística: para identificar com precisão um cliente específico e, a partir daí, entregar ofertas personalizadas para ele.
  3. Gestão de risco em dados: o que chamo de LGPD by design, ou seja, trabalhar dados para facilitar tomadas de decisões (dados como trilho e não como freio).
  4. Redesign de produto versus canal: desenhar novas ofertas com produtos específicos por canal, com retail media surgindo forte como terceiro canal, para além do on e offline. 
  5. Inteligência artificial: para construção de agentes operacionais vivos e sempre auditáveis (MLOps/LLMOps).

Note que não se trata de “saber de tudo”, mas de saber perguntar e saber cobrar: qual é o evento de valor? Onde está o vazamento do funil? Qual o ganho adicional? Qual a base legal? Quem é o dono do piloto? Qual o critério de go-no-go? Essas perguntas transformam cultura em execução e evitam a paralisia sofisticada (planejar muito, aprender pouco).

Ouso voltar à Peter Senge para agregar um novo elemento à sua teoria de competitividade: velocidade. A única vantagem competitiva sustentável para uma empresa é ter a habilidade de aprender mais rápido num ambiente como o atual. E, para isso, o líder (chame de presidente, CEO, Gestor, não importa) encapsula essa tal capacidade. 

O CEO de hoje não precisa ser o melhor engenheiro, a melhor CMO ou o advogado mais técnico, eloquente e brilhante. Precisa ser o orquestrador que cria as condições para que marketing, tecnologia e jurídico toquem juntos (e para que a organização aprenda antes, decida melhor e execute com segurança). Ele é menos “especialista supremo” e mais um orquestrador das novas aprendizagens: instala rituais corporativos para circulação de conhecimento e, portanto, aumenta a velocidade de decisão para ele e sua equipe.

Ulisses Zamboni – Chairman & Sócio

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