15 de Agosto, 2025

C-level como influencers podem ser uma necessidade estratégica – ou uma moda passageira

Sob pressão do mercado para aparecerem e falarem mais, os líderes corporativos revisitam a tríade clássica “visão, missão e valores”, agora em sua forma digital.

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De acordo com o relatório CENP-Meios 2024, quase 40% das verbas de marketing no Brasil já são direcionadas para estratégias no ambiente digital. Esse movimento — marcado pela migração de investimentos que antes se concentravam na TV aberta e por assinatura — representa uma transformação profunda na forma como as marcas se conectam com o público.

Ou seja, podemos afirmar que já estamos distantes da era em que a construção de valor de marca se resumia a filmes de 30 ou 60 segundos na televisão. E também já superamos as estratégias primárias do mundo digital.

Evoluímos. E muito. Dentre as centenas de possibilidades que o mundo digital nos oferece, uma prática que vem sendo utilizada com grande frequência “ocidente afora” é a dos influenciadores digitais. 

Quer adicionar complexidade a essa estratégia? Transforme um profissional do alto escalão (C-Level) da empresa em influenciador digital. Bingo! Você estará diante de uma das maiores tendências da construção de marca nas empresas contemporâneas: o executivo como mídia.

Quando menciono algum C-level, em 90% dos casos, estou falando do CEO. Mais do que apenas um porta-voz institucional, ele se torna um curador de ideias, valores e posicionamentos que refletem (e reforçam) a identidade da marca. Essa atuação, quando bem-orquestrada, gera conexões reais com públicos estratégicos, amplia a reputação da organização e fortalece sua presença no ecossistema digital.

Não é uma tarefa que possa ser realizada por todo e qualquer CEO. Há uma distância significativa entre ter um cargo de liderança e ocupar, com autoridade e influência, um espaço de diálogo público nas redes.

Além da obviedade de que o profissional precisa ser 100% genuíno em suas intervenções públicas, é preciso um elenco infindável de características pessoais e profissionais: carisma, extroversão, equilíbrio entre ego e negócios, conteúdo relevante, atuação 24X7, dedicação para a ferramenta, equipe dedicada. Em outras palavras, trata-se de adicionar uma nova camada de complexidade à já exigente agenda desses executivos.

Ainda que essa tenha uma lógica inequívoca sobre transparência e reflita contemporaneidade nas relações entre marca e seus públicos de interesse, a estratégia está longe de ser transversal, ou seja, está longe de estar em todos os segmentos ou em todas as corporações. E, vamos combinar que essa é uma estratégia que carrega, em si, um tremendo risco de implementação, até porque para que o CEO seja um influenciador, de fato e de direito, a governança corporativa de seu negócio tem de estar tinindo. 

No entanto, como se fala no ditado popular dos negócios: “quanto maior o risco, maior o ganho”. 

Os mais famosos influenciadores corporativos são os executivos das empresas de grande porte da tecnologia, como Elon Musk, Zuckerberg e Tim Cook (dentre muitos outros). E, mais recentemente, Jensen Huang, da NVIDIA, que se tornou a empresa mais valiosa do mundo alcançando USS$ 4 trilhões de dólares em valor. 

Mas a presença de influenciadores corporativos, vale dizer, não se limita ao setor de tecnologia. No Brasil, nomes como João Adibe Marques (CIMED), Luiza Trajano (Magazine Luiza), Rony Meisler (Reserva), Sidney Oliveira (Ultrafarma) e Diego Barreto (iFood) são exemplos de fundadores e executivos que utilizam estrategicamente sua imagem pública para potencializar o valor de marca — e, em muitos casos, o valor de mercado de suas empresas. Posso adicionar à lista ainda Alexandre Costa (Cacau Show), mas não deixar de mencionar seu exemplo duvidoso de governança errática. Vocês conhecem a história… 

A pergunta é: qual é o denominador comum entre esses executivos? A resposta é simples: todos foram (e são) os profissionais que criaram/inventaram produtos e, deles, suas empresas. Mais do que isso: lançaram produtos e serviços que estão à disposição de um mundo melhor, mais contemporâneo, inclusivo e com propósito. No jargão publicitário, chamamos todos eles de “creators”.

A trajetória dos influenciadores

A verdade é que o conceito de influência mudou. Estamos vivendo um momento de virada no universo dos influenciadores. Não é apenas porque eles estão mais visíveis ou porque ganharam espaço nas listas das grandes publicações, como Forbes, Exame ou Time. É porque o conceito de influência está mudando radicalmente e, com ele, muda também a maneira como marcas e empresas precisam pensar sua relação com conteúdo e consumidores. 

Esticando a corda, mas ao mesmo tempo sendo realista, arrisco dizer que não há mais como fazer gestão de marca no mundo contemporâneo sem considerar o papel dos influenciadores. E se durante anos os influenciadores eram os grandes nomes do entretenimento — aqueles com milhões de seguidores, virais momentâneos e contratos milionários —, aos poucos, esse movimento se expandiu para outros territórios e passou a alcançar personalidades de diversas verticais (de cientistas a filósofos), de tecnólogos a especialistas de nicho. 

Agora, basta exercer influência real em um círculo relevante para ser considerado um criador de impacto; na velha publicidade, chamávamos isso de audiência qualificada. Não se trata mais apenas de massa, mas de profundidade: são líderes, executivos e profissionais que, mesmo fora dos holofotes tradicionais, criam novos jeitos de pensar, agir e conectar, gerando mudanças concretas no comportamento das pessoas e no tecido social. São os micro influenciadores (mas não menos poderosos).

É também por isso que resolvi trazer essa reflexão neste portal.  

Será que está na sua vez?

Se antes o que realmente importava era o produto, o serviço ou o modelo de negócios, a evolução dos mercados derrubou essa lógica com força: hoje, tudo isso virou commodity e pode ser facilmente copiado (salvo raras exceções). O que de fato diferencia uma empresa já não é mais o “o quê”, mas o “como”.

A atitude empresarial — seus atos (e omissões), decisões, valores e, principalmente, os caminhos que escolhe para atingir seus objetivos — tornou-se, em muitos contextos, mais relevante do que o próprio produto ou serviço oferecido. Nesse novo cenário, poucas coisas revelam tanto sobre uma organização quanto os passos de suas lideranças.

São os líderes que, na prática, mostram se a empresa está alinhada com um mundo que exige mais compreensão, generosidade e colaboração e menos oposição, confronto e hostilidade.

Mais interessante ainda é que esses líderes podem ser vistos como verdadeiros “creators”. Não apenas por terem desenvolvido produtos e serviços relevantes, mas porque os colocam no mundo com o propósito claro de construir uma sociedade mais coesa e conectada. E vão além: exercem essa influência por meio de novas formas de pensar, agir e liderar, especialmente na maneira como constroem relações entre marcas e pessoas. 

Em um mundo conectado, o rosto da marca importa tanto quanto seu logotipo. E, cada vez mais, consumidores esperam (até demandam) saber: quem está gerindo essa empresa? Quem são seus responsáveis? Que pensamentos habitam os corações dos que tomam as decisões? 

Influência começa com conteúdo

O futuro das marcas não está em controlar narrativas, mas em confiar nos mensageiros, sejam eles clientes, creators, funcionários ou os próprios líderes da empresa. Por conta disso, nunca foi tão importante a disciplina de relações públicas (ou para os que gostam de um conceito importado, o conceito de “stakeholder management”) 

Ser um influenciador corporativo pressupõe dar visibilidade à alma corporativa (é o antigo tripé “visão, missão e valores” em ação, em uma versão mais solta, menos formal, mais moderna). Nesse ponto, a execução de conteúdo faz toda diferença, mas não vale abrir aqui mais essa janela de conversa…

Agora, se você pensa que ser um influencer corporativo significa assumir as rédeas do conteúdo digital da empresa e controlar a mensagem que chega ao mercado, você está redondamente enganado. A gestão de conteúdo digital hoje é tripartite, dividida em três grandes frentes: 

User generated content (UGC)}
Conteúdo criado por consumidores reais, mostrando resultados, percepções e sentimentos sem roteiro e sem filtro corporativo. É genuíno, espontâneo — e, justamente por isso, poderoso.

Creator Generated Content (CGC)
Criado por parceiros influenciadores que conhecem sua audiência melhor do que qualquer briefing. Aqui, o segredo é liberdade criativa total: o conteúdo só funciona se for autêntico, não microgerenciado. Dá frio na barriga? Sim. Mas é assim que se constrói relevância.

Employee generated content (EGC)
Produzido por colaboradores que já são, por natureza, vozes de autoridade. Mas aqui cabe um alerta: são raros os que têm coragem de ser autênticos. Muitos profissionais ainda hesitam em se expor com liberdade. 

O papel do líder como influenciador é o de somar esforços (ou impactar) todas essas frentes. 

Existe um ecossistema de “checks and balances” que, no final da equação de conteúdo, acaba dando ao mercado uma lógica e um equilíbrio de entendimento do que é uma marca (e uma corporação). 

Influência não é controle. As marcas que estão vencendo a batalha da imagem corporativa digital já entenderam isso.

Portanto, vamos deixar uma coisa clara: ser um influenciador não é ser aquele que controla a mensagem que se quer passar ao mercado para a construção de reputação. É dar permeabilidade e visibilidade corporativa a uma espécie de prestação de contas diária empresa x usuário, em um mundo onde confiança, postura ética e evolução moral são atributos que valem o dobro na hora de se somar valor aos negócios. 

Nem toda estratégia serve para todos

Ser um influenciador corporativo não é para todo mundo — e tudo bem. Não é uma obrigação. Trata-se de uma alternativa estratégica poderosa para a construção de marcas no mundo conectado. Mas não é um requisito universal.

Há razões legítimas para que uma empresa ou executivo opte por não seguir esse caminho: perfil pessoal mais reservado, desalinhamento com a cultura organizacional ou com o setor de atuação, governança frágil que não sustenta uma exposição autêntica, ausência de um propósito claro que justifique a presença pública.

Tornar-se um líder influenciador é uma ferramenta contemporânea à disposição da gestão, mas não um mandato. Para alguns, ele vai ser um trampolim extraordinário de construção de valor. Já para outros, simplesmente não fará nenhum sentido. 

Saber reconhecer em qual grupo sua empresa (e seu líder) está é, por si só, um ato de maturidade estratégica.

Ulisses Zamboni

Chairman & Sócio da Santa Clara

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