Ulisses Zamboni
Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara
Estou muito feliz em colaborar com minhas reflexões aqui no Mercado & Consumo com o tema ao qual me especializei ao longo da carreira e que considero um dos mais relevantes para os negócios da atualidade: ciência comportamental e jornada de consumo. Esse meu texto inaugural traz uma reflexão pontual sobre o tema frente aos serviços de marketing nos tempos da WEB3.
Sem sombra de dúvida, o filósofo polonês Zygmunt Bauman, radicado nos Estados Unidos e falecido em 2017, tinha razão sobre o seu conceito de modernidade para o século 21: a modernidade é líquida. A mudança que estamos presenciando no consumo graças às variáveis do mundo digital é de uma volatilidade, ao mesmo tempo que de uma grandiosidade e complexidade, que estão acima da média do aceitável. As inovações que varrem o mercado nessa década trazem, dia após dia, novas avenidas estratégicas, novos métodos operacionais e KPIs bem mais acurados para a gestão de performance do marketing e das vendas.
O uso massivo das redes digitais interdependentes, o 5G, o Blockchain, a LGPD, os NFTs, os Smart Contracts, as DEFIs (Decentralized Finance), as DAOs (Decentralized Autonomous Organization) … “you name it”, como dizem os americanos, são novidades de apenas três a cinco anos. A cada período médio de 18 meses deparamos com novos termos – a maior parte em inglês – e com novas tecnologias, que empurram os profissionais de marketing e vendas a terem desafios e aprendizados novos que, na grande maioria das vezes, não têm respaldo na memória de ninguém, tão pouco em benchmarks do passado. Finalmente, o profissional de negócios entra no chamado “lifelong learning” (numa tradução tropicalizada – “aprendizado que se adquire por toda vida”).
Sempre observei com ceticismo o surgimento de algumas tendências e metodologias em marketing que foram (e ainda são) consideradas por muitos profissionais como soluções mágicas para os problemas contemporâneos de negócios. Confesso que num rótulo meio pejorativo da minha parte, prefiro nomear as ditas “tendências” como uma espécie de “modinha do momento” até que apareça a próxima (ou até ela se firmar e provar ao que veio).
Acontece que elas – as “modinhas” – chegam ao mercado com a bandeira de serem heroicas e por representarem “a grande estratégia” que vai solucionar os problemas de seus negócios. E é isso que me traz desconforto. Foi assim com a ascensão das plataformas de mídias sociais e seus influenciadores, foi assim com a rede de Bluetooth para o varejo, foi assim com o aparecimento dos QR Codes, com os BOTs e a Inteligência Artificial e, por aí vai. Todas elas (e tantas outras) têm um valor absurdo no dia a dia das empresas, mas temos que combinar aqui que elas são ferramentas táticas e estão longe de representarem “a resposta” definitiva para um negócio.
Por outro lado, também deparei com conceitos, metodologias e ferramentas que surgiram como estratégias efetivas para os negócios e que hoje são praticamente imprescindíveis como por exemplo o Design Thinking voltado para inovação e renovação de produtos e serviços; a criação de projetos com times ágeis, o chamado Agile Marketing, que – se bem executado, traz receita incremental num piscar de olhos; as leituras preditivas de dados (BI) para apoiar a mudança de estratégia de curto prazo; as metodologias que colaboram na busca de um propósito empresarial como alavanca de valor; o incremento das técnicas de diálogo com stakeholders em todos os níveis, dentre outras.
Mas, a verdade é uma só. O marketing deste século colocou cada um de nós, usuários das marcas, no centro de suas atividades. É o chamado “Customer Centricity Business Strategy”, um mantra deste século que redireciona os esforços das empresas a construir estratégias que abracem os desejos e os comportamentos de seus usuários.
Reparei na ascensão (mais massiva) dos estudos da Economia Comportamental como ferramenta de marketing e vendas a partir de 2010. O que me chamou atenção foi que ao menos um par de psicólogos das melhores escolas americanas e europeias viraram Prêmios Nobel de Economia com o assunto, como Daniel Kahneman (famoso pelo seu livro “Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar”, da Editora Objetiva, que vendeu mais de 1 milhão de cópias pelo mundo) e Richard Thaler (que escreveu o livro “Nudge”, da Editora Companhia das Letras).
Percebi também que por trás do assunto tinha ciência, pesquisa e pensamento analítico-estratégico e foi aí que comecei meus estudos sobre o tema, já que ele também faz uma intercessão perfeita com meu mundo paralelo e particular que é o da psicanálise (atuo como psicanalista há mais de uma década).
O nome pomposo que a disciplina tem, Economia Comportamental, pode afastar e desinteressar o ouvinte, mas na prática ele está entre nós há muito tempo. Leve 3 pague 2…quem nunca?
Sim, a Economia Comportamental nada mais é do que o entendimento de como as pessoas fazem suas escolhas, de como elas tomam suas decisões no seu dia a dia. Afinal de contas, num mar de produtos e serviços similares, de qualidade similar, criados por profissionais de educação similar por empresas similarmente confiáveis, como é que um indivíduo escolhe essa ou aquela marca?
A Economia Comportamental investiga os vieses cognitivos que nos faz agir e ter atitudes nas várias direções que tomamos ao adotar hábitos e ter determinados comportamentos. No marketing, esse é um tema amplo, com espectro de atuação que vai da promoção de vendas às Relações Públicas. Não só, a EC também traz insights para as experiências de usuários no universo digital (UX) e do tão discutido e muito atual Customer Experience (CX), seja nas atitudes on ou offline.
Nos próximos meses, devo trazer aqui para vocês um pouco deste universo que, pessoalmente, tenho fascínio e, com pouca modéstia, algum conhecimento. Até lá!
Texto publicado originalmente por Mercado e Consumo, em 29.04.2022