Dominar o território da marca e estabelecer uma atitude de liderança na mente do consumidor é um modelo de crescimento sustentável para as empresas
O mercado brasileiro viveu nos últimos dez anos uma espécie de “tempestade perfeita”. A crise econômica, somada à chegada de marcas digitais oferecendo novos modelos de negócios com novos padrões de consumo, fez com que a fidelidade dos consumidores às marcas caísse. Para 71%, os programas de incentivo à fidelidade não os tornam leais, segundo estudo da Kantar Retail. Em vez disso, nessa nova era de competição digital e controle de clientes, as pessoas estão comprando cada vez mais por causa da relevância da marca. Além disso, estudo da Deloitte concluiu que 57% dos consumidores esperam que as marcas conheçam seu histórico de compras e utilizem esse conhecimento para contextualizar e personalizar suas interações.
Essa mudança de comportamento decorre de duas questões fundamentais: a jornada de consumo está cada vez mais complexa já que agora o funil de compra conta também com os reviews e consultas sobre a marca na web, e porque há uma diferenciação cada vez menor de marcas e produtos. Por mais que o posicionamento da marca seja um dos itens básicos do marketing moderno, muitas não conseguem estabelecer narrativas claras e uma imagem consistente junto aos clientes e deixam de estabelecer engajamento, uma variável tão importante nesse mundo volátil. Dessa forma, não conseguem definir claramente o território da marca, ou o que chamamos de “equity” de marca – numa tradução tropicalizada, seus “atributos proprietários”.
Um caminho para isso é fazer com que as motivações e comportamentos dos clientes e da sua marca sejam complementares. Dessa forma, os valores e propósitos da empresa e dos consumidores passam a estar alinhados, fazendo com que a marca esteja presente no estilo de vida de seu público.
Há 100 anos, Jung desenvolvia o conceito de arquétipo para se referir a algo que captura o imaginário coletivo através das motivações humanas e gera uma impressão bem definida, alimentada como verdade universal para um grupo social. A adoção dos arquétipos pelo marketing é recente. E tem esse mesmo objetivo: o de capturar e definir o território da marca, o que faz com que ela possa rapidamente captar uma identidade socialmente reconhecida e se diferenciar da concorrência.
Marcas bem-sucedidas no uso de arquétipos são capazes de transmitir uma mensagem única em todos os canais e pontos de contato com os consumidores. Quem tem um território de marca bem definido é capaz de estabelecer uma posição de destaque e sabe muito bem não só o que representa, mas principalmente o que não representa para os clientes.
Essa definição de quais são os atributos e o território da marca é fundamental para evitar cair no canto da sereia de investir em determinadas linhas de produtos, posicionamentos de preço ou mensagens de comunicação só porque deu certo para um concorrente. Com frequência, copiar o concorrente só enfraquece sua posição e fortalece a do competidor, pois ele é o “dono” daquele atributo.
Pense, por exemplo, na quem disse, berenice?, marca de maquiagem do Grupo Boticário. O território da marca é o do despojamento e da descontração, rompendo o padrão das lojas do setor. O atendimento é informal, as lojas são coloridas, e toda a comunicação está posicionada em torno de se expressar livremente, sem regras nem medo de errar. A marca transmite sinceridade e coragem em tudo o que faz, refletindo e capturando o Zeitgeist cultural do momento da mulher. Não é à toa que é a maior cadeia de lojas de maquiagem no Brasil.
Outro exemplo é o da Cervejaria Colorado, pertencente à AmBev mas que circula no universo das marcas artesanais. Seu equity de “feito à mão” se converteu em um mantra de posicionamento que gerou um jeito artesanal de falar com o público, desde as embalagens até a publicidade. Criamos para a empresa um visual proprietário, deixando a criação e produção de todas as peças gráficas nas mãos de uma só pessoa. Convidamos um estúdio de design gráfico para fazer os primeiros filmes. Chamamos um amigo da marca, celebridade de Ribeirão Preto (SP), para ser o diretor de arte e tipógrafo nas peças de OOH. Usamos o fundador da marca, Marcelo Carneiro, como locutor amador e os microprodutores dos ingredientes das cervejas como atores dos filmes. No primeiro semestre de 2017, as vendas aumentaram 112% em relação ao mesmo período do ano anterior e a marca dobrou seu market share, assumindo a liderança em seu segmento.
Quem escolhe dominar um determinado território de marca toma uma decisão consciente: passar a ser extremamente relevante para um determinado perfil de público, com um posicionamento e uma imagem claramente identificáveis. E essa relação forte e estreita entre consumidores e marca gera empatia de outros públicos, produzindo uma legião de fãs e novos consumidores. Quanto mais intensa a competição, maior a importância de obter relevância, pois, sem ela, a competição passa a ser simplesmente por preço. Com o uso de arquétipos, as marcas se tornam capazes de estabelecer uma posição clara de sua narrativa na mente dos consumidores e, assim, crescer de forma contínua e sustentável.