Ulisses Zamboni
Sócio Fundador e CEO da Santa Clara
É impressionante a velocidade com que os acadêmicos e profissionais de mercado norte-americanos sabem “empacotar” conceitos de marketing e de negócios que logo se espalham mundo afora: “Brand Purpose” (David Aaker), “Why” (Simon Sinek), “Paradox of Choice” (Barry Schwartz), “Talentism” (Klauss Schwab), “Conscious Capitalism” (John Mackey e Raj Sisodia) e por aí vai.
Empreendedorismo Antifrágil é um desses “pacotes bem embrulhados” que carrega em si uma espécie de ” perfect fit ” para os negócios desse início de década. Não sei vocês, mas confesso que estranhei bastante o termo (na verdade não entendi) assim de “bate-pronto” quando deparei com essas duas palavrinhas: Empreendedorismo Antifrágil (em inglês, Antifragile Entrepreneurship).
Depois de investigar um pouco e entender o que está por trás do nome, reconheci nele um perfeito deslocamento de significado do conceito filosófico original para o mundo dos negócios.
Então vamos lá. Como definir o Empreendedorismo Antifrágil? Bem, a gente pode até não saber a teoria, mas na prática, todos nós gestores, empresários ou executivos que têm a missão de implementar um planejamento, aprovado com seu chefe, board ou especialmente aqueles aprovados pelos acionistas, lida com o tema ao longo de sua carreira.
Vou começar revisitando o conceito mais abrangente do termo antifrágil. E começo citando a frase de Sófocles que ouvi recentemente no documentário da Netflix “O Dilema das Redes” (aliás imperdível, apesar de assustador): ” Nada de grandioso entra nas vidas dos mortais sem uma maldição “.
Tudo bem, concordo que essa é uma frase um tanto dramática para explicar um conceito de mercado, só que ela retrata muito bem o contexto que se insere o termo. Se a gente substituir a palavra “maldição” por aprendizado, bingo, estamos à um passo do significado de entender o conceito.
Empreendedorismo resiliente ou antifrágil?
Antifrágil é o termo cunhado pelo acadêmico nascido no Líbano, mas radicado nos Estados Unidos, Nassim Taleb para construir a idéia de que os indivíduos, as comunidades, as instituições, as corporações só evoluem quando confrontados às adversidades e aos obstáculos do dia a dia.
É mais ou menos como diz o ditado “o sucesso fortalece, mas o fracasso ensina (leia-se, ‘faz evoluir’)”. Pela teoria de Taleb, existe uma tríade. Os indivíduos e os coletivos que sucumbem às exigências da vida (e nos negócios) são frágeis. Aqueles que as enfrentam com resiliência são os robustos (palavra definida por ele). Mas, aqueles que as superam e somam a esse esforço o aprendizado trazido pela dor, são os que têm mais chance de alcançar sucesso; esses são os indivíduos e coletivos antifrágeis. Portanto, Antifrágil é o verdadeiro antônimo de frágil e não “forte”.
Resiliência é a típica palavra do vocabulário empresarial que adquiriu novos significados para além do original vindo da física. Em um resgate raso sobre o termo na ciência, resiliência é a capacidade que os materiais têm em retornarem aos seus estados originais quando modificados.
O uso indiscriminado do termo nos negócios, especialmente pelos gurus da autoajuda empresarial (sim, é uma crítica), forjaram uma nova tradução que considero lateral ao seu verdadeiro significado. Para eles, ser profissionalmente resiliente é permanecer inabalado com as chacoalhadas no negócio. É ser bravo, viril. É não se abalar com os riscos do empreendedorismo. Mas, de acordo com a teoria do Antifrágil, a resiliência já não basta, uma vez que o mundo de hoje é composto apenas de riscos e incertezas.
Taleb é um matemático e estatístico bastante irreverente. Formado em Wharton e com PhD na Universidade de Paris, despreza solenemente os próprios cargos acadêmicos porque acredita que a academia produz insights “sempre muito distantes da realidade do mundo” e que as credenciais universitárias são, em grande parte, adereços de vaidade, um certo “show off “.
Autodidata em série, Taleb é também conhecido por ter criado outros conceitos mercadológicos. O mais famoso deles é o do ” Black Swan ” para os negócios, que define eventos inesperados e surpreendentes que mudam os negócios radicalmente e que geram consequências drásticas para o futuro das empresas. O Coronavírus, por exemplo.
O título do livro: “Antifrágil – Coisas que se beneficiam com o caos”, Editora Objetiva, 2018, é excepcional porque carrega em si um quase paradoxo de que o caos também traz benefícios.
“Antifrágil” é parte de um conjunto de 5 volumes intitulado “Incerto”. De acordo com o autor, o conjunto da obra é uma investigação sobre a obscuridade das certezas e incertezas, sobre sorte, probabilidade, fracassos humanos, risco e tomadas de decisão, assuntos que fazem tremer as bases de qualquer gestor.
Caminho sem volta para adoção do Mindset antifrágil: Marketing Adaptativo
Num recorte claro do presente e do futuro de curtíssimo prazo, aponto cinco eventos que, além de serem vetores primários de mercado e terem uma correlação direta no resultado do business, são evidências inequívocas de que o empreendedor e o executivo precisam ir além da resiliência e adotar um mindset antifrágil.
1) Os smartphones estão ficando mais poderosos . De acordo com Jensen Huang, executivo-chefe da Nvídia, fabricante de microprocessadores, a Lei de Moore poder estar chegando ao seu fim, já que a velocidade dos microprocessadores não dobra mais a cada 18 meses. Mesmo assim, esses devices estão cada vez mais funcionais e entraram definitivamente como protagonistas na jornada de (qualquer) compra. Era “mobile first“.
2) O evento do Coronavírus, que acelerou a vida dos negócios a entrar na omnicanalidade já é uma realidade, ainda mais agora com a chegada do PIX ao Brasil, novo meio de pagamento que pode revolucionar nosso mercado assim como aconteceu na China. Era “virtual money for the masses” .
3) A chegada definitiva da “internet das coisas” , com a implementação do 5G em todo mundo (infelizmente, o leilão das bandas no Brasil acontecerá apenas em 2021), abre-se um infindável portal de possibilidades no e-Commerce, inclusive no B2B e no B2G.
4) As plataformas de mídias sociais, que modificam a jornada de consumo de todas as categorias de produto e serviços num piscar de olhos, não só segmentam a audiência de forma mais aguda, como traz a possibilidade de personalização ao máximo. Era “anybody, anytime, anywhere“.
5) A Inteligência Artificial (AI) que, de acordo com Peter Diamandis, reitor da Singularity University, promete personalizar a vida de cada um de nós, “mesmo que não queiramos”, especialmente quando o assunto é ‘Voice Commerce’. Era da “personal offerings”.
Esses cinco acontecimentos se já não estão derrubando os negócios mais tradicionais como ondas de tsunami, irão fazê-lo. Certamente, esses são negócios que ainda estão alicerçados em modelo de negócios clássico do passado, mesmo que esse passado seja um passado muito recente. As fórmulas de gestão escritas em pedra nos livros de administração tendem a fazer parte apenas da história da gestão, não mais de nossa prática corporativa.
O stress “no e do” sistema que estamos vivendo hoje oferece um contexto ideal para adotarmos o mindset do Empreendedorismo Antifrágil na tomada de decisão. Aprender rapidamente, repito, rapidamente, a partir de diagnósticos mais acurados baseados em dados e também, porque não, no empirismo do comportamento de consumo de seu cliente, é condição de sobrevivência.
Mais do que nunca, seguir o padrão ágil das startups se faz necessário. Aprender e evoluir com os erros (“failfast”), ter coragem em experimentar estratégias de gestão que nunca foram testadas (“innovation first “) e implementar estratégias e táticas sempre “em modo Beta” (se atualizando a cada “bug“). Não por acaso, essas são algumas das atitudes do empreendedorismo antifrágil.
Texto publicado originalmente por MIT Sloan Management Review Brasil: https://www.mitsloanreview.com.br/post/empreendedorismo-antifragil