Uli Zamboni – Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara
Posso afirmar com toda a certeza que uma loja física nos dias de hoje é radicalmente diferente do que era uma loja física nos anos 2000. E até aí, nenhuma novidade. O que coloco aqui como relevante nesta afirmação é que essa diferença não aconteceu pela evolução dos equipamentos nas lojas, dos VMs (Visual Merchandising), das prateleiras, nem mesmo do e-commerce e das novas tecnologias, mas sim por causa da evolução dos códigos culturais da sociedade.
Sem entrar em papo cabeça aqui, por mais que a gente queira, a visão estética de mundo (o design, as formas, o layout, as cores, etc.) é apenas uma decorrência da visão ética desse mesmo mundo (entendendo que a visão ética é o nosso desejo, comportamento, vontades e aspirações). Não fosse assim, a configuração das lojas e de seus equipamentos físicos estaria praticamente confinada a uma espécie do “dia da marmota”, numa referência àquele filme estrelado por Bill Murray em que ele acorda todos os dias no mesmo dia.
Pense bem. Será que a manequim obesa da Nike que está atualmente na seção de ioga no terceiro andar da loja da marca na 5ª Avenida, em Nova York, está lá apenas por uma questão prática ou por demanda social? E os próprios produtos da marca que estão sendo produzidos a partir de garrafa pet? A primeira gôndola unissex de tênis da América, o self-checkout, etc.
Foi pensando nisso que achei interessante trazer para vocês o conteúdo que vi numa palestra recente do Bill Underhill, psicólogo especializado em comportamento de consumo, que faz análises sobre os impactos estéticos na jornada comportamental do consumidor dentro de uma loja: o que inibe o consumidor na hora da compra, o que desvia sua atenção, que fatores são promissores para a conversão, etc. Underhill já fez projetos nos cinco continentes em mais de 50 países ao redor do mundo.
Na palestra, ele aponta cinco eventos fundamentais para um varejista (de qualquer tamanho – especialmente os médios e pequenos) nos dias de hoje. Tomei a liberdade de elencá-los abaixo e colocar algumas interpretações minhas se as analisarmos por um recorte brasileiro. Aí seguem:
1. Nossa relação com as telas
Esse primeiro comentário é um bom insight para pequenos varejistas. Antes de ser plasticamente atraente e de compor perfeitamente uma loja física, já que chamam atenção e dão movimento ao ambiente, as telas têm um significado muito claro para o consumidor: inovação. Se for no segmento de moda, sapatos e eletrônicos, passam claramente o valor de atualidade e vanguarda.
Ademais, o evento da “segunda tela”, fenômeno em que nenhum de nós assiste mais a uma única “telona”, mas migra da telona para telinha e vice-versa, faz com que “telas” sejam objetos familiares às pessoas, portanto, por incrível que pareça, podem gerar sensação de conforto. Se for “touch”, a sensação de conforto se soma à de independência – para o caso de a tela disponível trazer o autosserviço para a loja.
Para os médios e grandes lojistas, cuidado. “Designers” de loja tendem a ser muito jovens, por volta de 30 anos, e a abusar do recurso. A população brasileira envelhece e o consumidor prateado – acima dos 50 anos – já é o que tem mais independência financeira para gastar. E, no geral, se incomoda com os efeitos estroboscópicos das telas e tendem a abandonar suas compras.
Pior, os gestores de conteúdo destas telas em loja tendem a ter uma perspectiva muito peculiar em seu uso e abusam de letras pequenas, linguagens cifradas e metáforas com “memes” e muitas referências do mundo digital, nem sempre do universo deste usuários.
2. A questão dos gêneros com novas perspectivas
Quando mulheres entram em quaisquer espaços comerciais, o que elas olham e como elas olham é muito diferente do que faz um homem. Paradoxalmente a isso, cresce a influência feminina sobre as compras masculinas. E é sabido que, no mundo, a maioria das lojas é projetada por arquitetos homens.
De acordo com Underhill, esse fato impacta diretamente na jornada de compra em algumas lojas, uma vez que as demandas femininas para uma loja física são maiores que as masculinas. Quais diferenças? O tempo de permanência na loja, sua curiosidade em ter “descobertas” em sua jornada de compra, a atenção aos detalhes nos móveis e VMs, etc.
É claro que pesquisas qualitativas com o público-alvo podem ajudar arquitetos homens ou mulheres a desenharem o melhor projeto com sucesso, mas a diversidade no olhar feita por uma arquiteta mulher (ou mulher trans) pode resultar numa disposição de layout e trajetos de loja aparentemente melhor orientados para a conversão do que aqueles que feitas exclusivamente por homens.
“Esticando a corda”, o psicólogo acredita que todas as lojas físicas deveriam ser mais “female friendly”, ou seja, ter mais áreas de hospitalidade, menos poluição visual, gôndolas com produtos de alto valor agregado no caixa – geralmente os homens compram e saem rápido da loja, as mulheres são mais atentas –, regiões instagramáveis para registros de localização, etc. A feminilização do varejo físico é quase uma obrigação.
Toda essa questão de gênero me pareceu relativamente controversa, no entanto, em tempos de diversidade e de novos olhares, tendo a apoiar minha confiança nessa máxima. Está mais do que provado que olhares diversificados num projeto trazem resultados mais eficientes para os resultados.
3. Tempo nas compras – um valor importante no pós-pandemia
Ao mesmo tempo que a jornada feminina requer um ambiente de loja mais acolhedor e que gere empatia para ela ficar mais tempo na loja, o fator tempo entrou nas vidas de todos consumidores. “A velha máxima do entretenimento nas compras pode estar caindo por terra nesses novos tempos, uma vez que estamos todos sendo pressionados por tempo”, diz o psicólogo.
O medo de exposição (por causa de covid ou gripe, por exemplo), a carestia versus o impulso e a conveniência do mundo digital podem ser alguns bons vetores de impacto deste tema. Também, qual de nós não sofre a pressão da multitarefa? Pós-pandemia, então, isso nem se discute. É só olhar para um indivíduo entrando num supermercado, por exemplo. O tempo de compra dele foi antecipadamente programado e uma lista (mental ou escrita no celular) já foi feita. Compras frequentes e de baixa relevância estão notoriamente sendo achatadas no pós-pandemia.
Nos varejos menos frequentes, portanto, o tempo pode ser esmagado com ofertas que valem a pena: desde oferta de segurança total nas lojas a benefícios promocionais cruzados, como o famoso “pegue 3 pague 2” ou o cashback.
A pergunta que fica é: “Como eu, varejista, colaboro para entender o papel fundamental do tempo nas compras?”
4. Conhecimento local x conhecimento global
Você pode até pensar que as práticas internacionais de varejo quanto ao manejo do fluxo de público nas lojas são as mais sólidas, correto? Pense bem. Se a premissa deste artigo é a de que a cultura é o grande vetor de impacto da evolução do varejo, por que importar uma cultura de fora seria vantajoso?
A observação do seu público, repito, seu público, na sua loja, vai te orientar ao melhor fluxo e ao melhor caminho de conversão, gerando mais receita incremental. Conhecer o seu público é fundamental. “Se um varejo global resolve importar seus aprendizados do país de origem sobre o comportamento em loja, ele está a um passo da derrota”, afirma Underhill.
Segue então a pergunta: qual o seu instrumento para observar e conhecer mais o público de sua loja?
5. Storytelling ou narrativa de marca
Muito se fala nas narrativas de marca e no famoso storytelling. A verdade é que um produto e uma loja bem “explicados” ao consumidor geram a sensação de um equilíbrio entre seu custo e o seu benefício final. Na Economia Comportamental trabalhamos com esse conceito de equilíbrio de forças. É como se os consumidores pensassem numa compensação honesta na hora da compra. Ou porque é um produto realmente nobre, ou porque é confeccionado com as metodologias mais modernas, ou porque está muito na moda, ou, ou, ou…
Na jornada de compra, o desejo do consumidor precisa ser corroborado por uma validação. Uma história relevante e tão grandiosa quanto seu desejo. É para isso que as marcas precisam ter histórias.
Explico melhor. Uma camiseta básica branca na loja A, exatamente igual a da loja B, custa 1,5 vez mais. No entanto, se o tag da roupa e a própria loja A tem muito a dizer sobre o “overprice” – lã natural orgânica da região próxima à loja (ajudando os fazendeiros locais), apoiadora do GRAAC, etc. -, não importa a história (sempre verídica, claro) por trás de um produto ou marca. A equação mental de equilíbrio entre custo e benefício vai se intensificar.
O varejo atual precisa prestar atenção nos movimentos da sociedade e da cultura (que está a toda velocidade e em “espiral para cima”), pois, como iniciei escrevendo neste texto, o que muda mesmo é a cultura. Se sua loja quiser continuar atual e sustentável, é nela que você tem que mirar.