04 de Dezembro, 2024

Por que a nova campanha da Jaguar pode não estar totalmente errada?

Após chuva de críticas no mundo todo e especialmente dos usuários Britânicos da marca, a campanha teaser de rebranding da marca pode sim ter um fio de estratégia!

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Paira enorme ansiedade no ar. Consumidores de marcas de luxo no mundo e especialmente no mercado inglês têm expressado seu medo (e indignação) em possivelmente perderem mais um ícone tradicional da sociedade (de consumo) inglesa com o “shift” de comportamento e de símbolos, na mais recente campanha da marca de luxo Jaguar. 

Se restasse alguma dúvida de que o trabalho de marketing tem o fator emocional como principal vetor de decisão, consideração de marca, conversão em vendas, preferência e engajamento, não resta mais.

Descontentes com a tentativa de ruptura dos valores que moldaram a imagem da Jaguar como símbolo do estilo de vida inglês — muitas vezes associado ao universo estereotipado dos clássicos filmes de James Bond e aos ícones masculinos de poder e dominação do segmento automotivo —, os britânicos mais conservadores e os consumidores globais de marcas de luxo reagiram com desconforto à nova campanha “teaser” da marca. 

A proposta, que adota um tom “avant-garde” e mais transgressor, viralizou ao desafiar essas expectativas, gerando controvérsia e polarização. A quantidade de críticas negativas à campanha de rebranding da marca, que foi ao ar na semana de 18/11, está andando a passos largos de ser comparada a da ação promocional de Bud Light realizada ano passado com a influenciadora transgênero Dylan Mulvaney e que levou a Ambev perder por volta de US$ 5 bilhões em valor de mercado.      

Apenas na rede social X (twitter), a peça já teve 22 milhões de views se tornando viral não pelo entretenimento ou engajamento, mas sim devido às reações negativas e da zombaria aos signos “woke” estampados no filme em contraposição ao legado mais nobre e clássico conhecidos da marca. 

Não só, mas também porque a montadora resolveu girar 180º no desenho de seu logotipo representado pela imagem forte da pantera e de uma tipografia sóbria e retilínea. Na assinatura deste filme da campanha, o animal desaparece e não assina a peça; além disso as letras construindo o nome da marca passaram a ser minimalistas e arredondadas. 

Campanha de publicidade desastrosa“, “rebranding no mínimo controverso“, “lacônica e desconexa“, “a marca se esqueceu que vende carros”, “de mau gosto, a campanha só prejudica a história de uma marca lendária“, e por aí vai. Os comentários se estendem infinitamente (e impiedosamente) ao longo do “thread” do X e também no YouTube que hoje já performa mais de 2 milhões de views (até 25 de Novembro). 

A comparação imediata feita por consumidores no mesmo período de lançamento da campanha de Jaguar foi com o mais recente filme da Volvo no lançamento do modelo EX90 (https://www.youtube.com/watch?v=cQX-QXxwGvA) , que apresenta um storytelling que tem objetivo claro de reforço cognitivo ao que a Volvo é: sobre segurança e sobre família.  

Será que a situação pode piorar? A resposta é um sonoro “sim”, já que o Rawdon Glover, Managing Director da empresa, saiu em defesa da estratégia adotada da campanha no Reddit, famosa plataforma de Social Media no mundo – aqui ainda inexpressiva – adjetivando esses comentários críticos de “vil e intolerantes”, indiretamente trazendo a ideia de que “o consumidor está errado”, pecado número 1 no marketing como conhecemos até então. 

Aparentemente, uma dezena de equívocos

Essa marca excepcional de automóveis com mais de 100 anos de design e excelência na engenharia viu evaporar seus valores em 30 segundos de um spot sobre diversidade com atores vestidos de Teletubbies”, comenta o âncora da GB News, Mark Dolan, um comentário ainda que dos mais amenos em relação à peça publicitária.    

Dentre as dezenas de aparente equívocos, posso destacar 2 grandes para o exercício de branding

1. Mudança Arquetípica Brusca – construir “equity” (valor) de marca demora muitos anos. A decisão de chacoalhar os valores da Jaguar construídos ao longo dos 100 anos desta marca é muito corajosa ao mesmo tempo que arriscada. E notoriamente, a campanha começa pelo que é o de valor mais concreto para essa marca: seu comportamento nobre e atitude britânica (apesar de pertencer hoje à Indiana Tata Motors)  

O território arquetípico que Jaguar sempre atuou é o do Soberano com algumas boas pitadas de arquétipo do Sedutor. Como uma marca de luxo inglesa, vem há tempos sendo associada com a aristocracia britânica e, consequentemente, com a elite inglesa, posicionando-se como símbolo de liderança e sucesso. Traz valores de autoridade, confiança e sofisticação (essa última ligada ao legado construído no passado). 

A Jaguar vem incorporando elementos do Arquétipo do Sedutor ao longo dos anos, o que suaviza um pouco a sombra do arquétipo Soberano, de imagem mais dura e pouco flexível. A figura do James Bond é a personificação mais evidente da marca porque encapsula ambos os arquétipos. 

A controvérsia da recente campanha é clara: por que a empresa quer colocar um “pé de elefante” no legado arquetípico consolidado, construído com muito investimento e especialmente um dos “assets” de marca que a trouxe até aqui? 

Sabemos que o Branding é uma carta de intenção para o futuro da marca e da organização, no entanto, não é necessário destruir o passado. Ao contrário, usar o passado como alavanca é no mínimo natural.  

A contrariedade, o desconforto e o conflito com a nova campanha encontram eco exatamente na seara do comportamento da marca. E na escolha de um arquétipo praticamente antagônico ao do Soberano que é o do Fora da Lei (Outlaw). E, não menos importante, um “Fora da Lei” que lança mão de símbolos e signos da cultura “woke”. 

No filme, um homem de cabelos brancos passa um pincel de paredes na câmera que está escrito “Delete Ordinary” (“delete o comum”) e em outros momentos faz um “call to action” para “break the mold” (“quebrar as formas”) através de uma imagem que mostra um personagem feminino com um enorme martelo nas mãos. 

Seria um salto atitudinal inesperado demais para Jaguar e, no entanto, tremendamente fora de esquadro para a marca?   

2. Branding é feito de dentro para fora da organização e não ao contrário: 

A estratégia de rebranding de qualquer marca deve partir de seu DNA, especialmente quando há um claro legado construído de marca e necessidade da empresa na recompra de seus produtos; ambos elementos fundamentais para a sustentabilidade do negócio. 

No entanto, essas premissas parecem ter sido ignoradas pela LandRoverJaguar. Mesmo diante da necessidade de impulsionar vendas, que vem despencando desde 2018, dá para considerar esse um desvio tão distante da essência da marca que acabou se colocando contra ela.

A busca por inclusão, diversidade e comportamentos vanguardistas, guiada pela chamada “Cultura Woke”, tem sido frequentemente imposta sobre a genética das marcas, muitas vezes gerando resultados desastrosos. O movimento em si, embora alicerçado em virtudes, enfrenta desgaste por seus exageros e falta de autenticidade, prejudicando sua conexão com a sociedade, consumidores de mercados mais tradicionais. A máxima “Go Woke, Go Broke” tem sido usada com alguma propriedade. 

Durante minha análise do caso, o discurso de Santino Pietrosanti, diretor de marketing da Jaguar, no evento “Attitude”, chamou atenção. Militante LGBTQIA+ assumido, vestindo um paletó de lantejoulas e camiseta transparente, o exótico Pietrosanti declarou: “Estamos comprometidos em promover uma cultura diversa, inclusiva e unificada, que represente não apenas as pessoas que usam nossos produtos, mas também a sociedade em que vivemos. Estamos em nossa própria jornada de transformação.”

Embora legítimo, o discurso parece desconectado da essência da marca, evidenciando um esforço para alinhar-se muito mais à contemporaneidade do que ao próprio DNA dela. Isso fica evidente no novo slogan da Jaguar, “A seismic change is coming” (“Um abalo sísmico está chegando”), que anuncia uma mudança radical na estratégia, mas que arrisca alienar a base que sustenta o legado da marca.

Ademais, e não dá para deixar para trás, até um estudante de publicidade sabe que público-alvo ou até (moving target groups, mais moderno) é palavra-chave para construir pontes com uma peça publicitária: a execução é claramente disruptiva, mas carrega em si signos e símbolos de minorias sociais que, apesar de mereceram atenção, não fazem parte do perfil psicográfico de curto prazo (talvez de longo) ou sócio-demográfico para compra de um Jaguar. 

Portanto, não há justificativa de negócios passível de ser coerente neste movimento da marca.  

Estratégia é criar uma meta e construir caminhos para sua realização 

Pergunto com frequência aos meus alunos de estratégia se uma campanha, uma ação de marca, um reposicionamento ou até mesmo um lançamento de produto foi bom ou ruim para determinada empresa. Ouço as opiniões das mais variadas. Nenhuma certa. E por que? 

Só vamos saber se uma estratégia funciona (ou não) se soubermos os objetivos do negócio. Portanto, podemos opinar sobre o que gostamos ou não, o que “parece” off strategy ou não. Num primeiro momento, podemos gostar ou não do que vemos, mas nunca dizer que a estratégia está errada. Até porque não estamos no intestino da empresa para saber onde existe o problema e porque uma marca usou aquele caminho estratégico. 

E aí é que mora o que nomeei de “o fio” de estratégia de Jaguar com essa peça publicitária. 

A estratégia até então conhecida é da sua intenção de reposicionamento total através de uma marca de ultra-luxo que estará totalmente alicerçada na tecnologia de carros elétricos. Um bom argumento para os novos tempos e uma intenção digna de uma marca de ultra-luxo. 

Com isso, a marca objetiva: 

_ Abraçar o que ela chama de “modernismo exuberante”, numa nova filosofia de design;

_ Apontar esforços ao público mais jovem, diverso e ultra urbano, descrito como “design-minded” (orientado para o design);

_ Se deslocar da herança inglesa tradicional e de imagem masculina;

_ Adotar uma personalidade mais   imaginativa, forte, artística, única e destemida.   

Deve lançar 3 novos veículos elétricos em 2026, todos com valores ao menos de o dobro dos carros atuais e com compatibilidade com os carregadores elétricos já estabelecidos no mundo da Tesla. 

Para os amigos que estão em Miami, a marca pretende abrir a exposição Miami Art Week, na semana que vem – 02/12 – com uma instalação chamada “Copy Nothing”, referenciada à filosofia do seu fundador, ser curadora de dois espaços na exposição, apresentar artistas emergentes que vão executar obras com a nova personalidade da marca e, por fim, dar um preview do carro conceito, dando uma ideia do que será a nova Jaguar. 

Dito isso, se a carta de intenção da empresa for essa, você diria que a estratégia esta errada? Time will tell. 

Seja feliz.   

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