Uli Zamboni – Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara
Em tempos de orçamento curto de marketing e de custos inflacionados por todo lado, pergunto: a mensagem de sua campanha é entendida da mesma forma quando veiculada nacional ou regionalmente? Ela é capturada por todos da mesma forma? O resultado de conversão em vendas do seu produto é impactado igualmente em todas as regiões em que a campanha foi veiculada?
Fico me questionando se todo o trabalho que a equipe de marketing faz para encontrar as mensagens certas para impactar (e converter) corações e mentes dos consumidores pode não estar chegando nem aos corações, nem às mentes dos seus consumidores. Faz sentido falar de mídia massiva em 2022?
Atualmente, a discussão do mercado publicitário está muito (mas muito mesmo) focada nos planos de mídia e investimentos nos meios digitais. Planos e campanhas específicos para o digital, com os testes AB que trazem respostas imediatas para mudança de rota estratégica, com relatórios do tipo Dashboard, com a eficácia de comprovação do retorno do investimento feito… Enfim, um mar de dados que entram e que saem dos desktops da área de inteligência de mercado.
Não estou aqui para avaliar se a mídia digital está ou não sendo supervalorizada, até porque a dobradinha “comando e controle” para o marketing no universo digital é como Romeu e Julieta: um está para o outro numa relação perfeita. Além disso, reflete muito bem a necessidade do marketing no mercado brasileiro atual no curto prazo.
Quero apontar a eficácia do envio das mensagens na mídia de massa, a TV aberta brasileira. Ficou defasada? Saiu de moda?
Na verdade, a TV aberta nunca esteve tão vibrante. Nosso país ainda tem uma população adulta muito ligada a ela. De acordo com o Instituto Hype 50+, especializado na população sênior brasileira, 72% das pessoas com mais de 50 anos assistem TV aberta todos os dias.
Com streaming e TV a cabo cada vez mais caros, muita gente do perfil demográfico BC está voltando a ter o hábito de se relacionar com a TV aberta. Entre os mais jovens, ela adquire a função de segunda tela.
Os investimentos de mídia em TV vêm em queda ao menos nos últimos três anos – o ranking CENP/Meios indica uma queda de 45%, enquanto a internet cresceu 33%. Mas a TV aberta ainda é relevante (ou deveria ser) nos planos de mídia por causa de seu alcance gigantesco Brasil afora, pela cultura da nossa sociedade e pela internacionalmente reconhecida qualidade nas execuções.
Todos os espectros comportamentais e todos os perfis demográficos brasileiros ainda estão na frente das telas de TV no Brasil.
Mas, mensagem para todo mundo não atinge ninguém…
Edward Bernays é pai das Relações Públicas e precursor das atividades de comunicação em massa, especialmente no período entreguerras. Ele usou técnicas cognitivas muito poderosas para o atingimento e conversão de comportamento e decisão de compra para um público muito diverso – tipo o público da TV aberta no Brasil.
Bernays era sobrinho de Sigmund Freud, que, nas férias, o levava a longos passeios nos bosques de Viena. Quando emigrou para os Estados Unidos, levou consigo alguns conceitos da psicanálise compartilhados pelo tio. Usou esse repertório pela primeira vez na comunicação de massa.
Na biografia The Father of Spin – Edward Bernays and the Birth of Public Relations, o jornalista Larry Tie mostra como Bernays conseguiu a proeza de convencer a cidade de Nova York de que mulheres podiam fumar em público no final da década de 1920. O livro traz outros casos maravilhosos de conversão das massas, como uma campanha para angariar polpudos recursos para a ópera da cidade, mesmo num período econômico difícil.
Na base de suas divagações estratégicas, estava o mais precioso instrumento de trabalho do seu tio: a psique humana. O pensamento de Bernays era o de entender o comportamento do indivíduo, de forma a retirar dele um desejo pujante, uma necessidade humana relevante e comum entre todos os perfis, referente a um determinado assunto.
No caso de “Torches of Freedom”, a campanha para as mulheres fumarem, ele transformou uma complexa e subjetiva questão social em um simples desejo coletivo: liberdade. Liberdade é para todos – e todas –, um bem imprescindível nos Estados Unidos.
David Ogilvy, outro precursor das atividades de comunicação de massa, tinha uma fórmula igualmente poderosa: a teoria KISS – Keep It Simple and Smart. Se um insight comportamental tiver uma certa complexidade ou for muito difícil de ser explicado, jogue-o fora, porque ele provavelmente será entendido apenas por um pequeno segmento da população e não por toda sociedade.
Anos mais tarde, a Unilever resolveu adotar essa simplicidade em seus documentos de briefing para confecção das campanhas dos seus produtos para as agências. Eram dois campos explícitos a se preencher: “single minded idea” e “one selling proposition” (“ideia simples e direta” e “oferta única”). Uma direção clara à simplicidade de entendimento, sempre apoiada numa verdade humana universal.
Atualmente, com as segmentações psicográficas que encontramos na sociedade, parece cada vez mais complexo alcançar todo mundo com o mesmo conteúdo. Mas esses teóricos de comunicação do início do século passado nos provam o contrário.
Probleminha extra: a ausência de cognição do brasileiro
Imaginem: eu, numa quinta-feira qualquer, entregando meu cão no hotelzinho do petshop para passar o dia.
– Oi, (atendente), tudo bem? Vi que o Tobias brincou ontem com aquele pneu de carro pendurado. Mordeu muito, a boquinha dele ficou muito vermelha. Vamos tomar cuidado? Cuide disso com atenção, ok?
No fim dia, fui buscar o Tobias:
– Sr. Ulisses! O Tobias chorou muito querendo sair no pátio com os outros cães para brincar com o pneu! – Mas por que você não deixou ele brincar? Por que confinou o cachorro? – Mas o senhor falou hoje mesmo que ele não podia morder o pneu!
– Ah, deixa pra lá! Pode, sim. Da próxima vez, deixe ele morder.
Um pequeno exemplo de como a cognição do brasileiro está prejudicada. A comunicação indireta, por sinalização ou metáforas, é um campo dificílimo de ser explorado pela comunicação massiva no Brasil. De acordo com a Sociedade Brasileira de Psicanálise, ao menos 85% dos brasileiros não entendem sutilezas, metáforas ou meias-palavras.
A ONG Ação Educativa fez em 2016 uma pesquisa que traz outro dado chocante: somente oito a cada cem brasileiros conseguem interpretar textos. Com a pandemia, acredita-se que essa situação tenha piorado.
Somos uma massa ignorante de compreensão e de entendimento sobre quaisquer campos do conhecimento. A mesma pesquisa feita em 2016 – portanto, defasada – diz que cerca de 42% da população brasileira não consegue sequer compreender textos médios e fazer cálculos além da casa do milhar.
É claro que 8% de mais de 200 milhões de pessoas ainda é muita gente. Mas será que dá para os profissionais de marketing e de agências pensarem em nossa sociedade de forma homogênea quando o assunto é conteúdo de mensagens e estratégia de campanha?
Para tudo se dá um jeito.
Carl Jung, um dissidente das teorias freudianas da psicanálise, pesquisou sobre um assunto bastante polêmico em sua época (e ainda hoje): o inconsciente coletivo e o valor dos símbolos para sociedade. Em seu mais famoso livro, O Homem e Seus Símbolos, Jung destaca que somos, no jargão popular, farinhas do mesmo saco, já que todos nós respondemos praticamente da mesma forma aos estímulos não-verbais. O caminho do “princípio do inconsciente coletivo” do indivíduo em sociedade, em que as pessoas se unem na compreensão de sinais, sinaliza claramente uma oportunidade para o atingimento da entrega da mensagem de comunicação para as massas.
Vale destacar e ser mais claro sobre o que chamo de “inconsciente coletivo” na comunicação. Estou falando do uso e do manejo da noção e da compreensão coletiva sobre a natureza e as noções de tempo, da força simbólica do pai e da mãe, dos personagens arquetípicos e simbólicos.
Se somado ao fenômeno atual da tecnologia no desenvolvimento da linguagem não-verbal na comunicação, trazida por plataformas digitais como Instagram e Pinterest, campanhas massivas para TV aberta podem saltar de patamar de entendimento junto à diversidade de perfis (e níveis de cognição) no mercado brasileiro.
Bernays e Ogilvy apelaram acertadamente para a simplicidade. Jung para questões inconscientes. Na prática, estamos falando do composto básico da comunicação que é a forma e o conteúdo: forma com execuções não-verbais com claros signos e símbolos arquetípicos, mas contemporâneos e com conteúdo embebido na instantaneidade da simplicidade.
É claro que não há equação matemática para criatividade para as massas. No entanto, garanto que isso possa tentar resolver a questão da baixa cognição em nosso mercado. Caso contrário, corremos o risco de colocar no ar peças culturalmente lamentáveis.
Tags: