Uli Zamboni – Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara
Líderes que pensam apenas no micromanagement podem estar criando marcas de baixo valor agregado e baixa lealdade
Na mitologia grega, o Deus Chronos é a personificação do tempo, responsável pelas horas, minutos e segundos da humanidade. Tenho absoluta certeza de que se ele estivesse presente nos dias de hoje, ele certamente seria responsável apenas pelos minutinhos de dança no TikTok.
A instantaneidade das plataformas de mídia social tem regrado nossa noção de tempo. Mais que isso, nosso “Chronos” (interno) está sendo normalizado pelos micro momentos de um “reels” do Insta ou do TikTok, construindo nossas vidas em pedacinhos que, se somados, parecem não dar conta de botar de pé o potencial que o nosso dia é capaz de oferecer.
Não concorda? Então, pergunte-se quantos livros você conseguiu ler neste mês? Quantas tarefas e projetos você desistiu por ser longo demais? Ou ainda, num exemplo bem mais raso, quantos filmes você deixou de assistir na Netflix que tinham mais de 2 horas de duração?
A “rapaziada” está de fato embarcando na vibe “do quero tudo para ontem”. Nosso desejo pela instantaneidade está aí concreto e presente no marketing: a entrega dos produtos que compramos no app de market place que chega no mesmo dia ou, no máximo, na manhã seguinte; a nossa refeição que vem do iFood tendo que chegar, no máximo, em 30 minutos e nossas compras de supermercado com delivery Turbo em 15 minutos.
Tempos diferentes? Novos tempos? Bom, ruim? Longe de mim colocar algum juízo de valor nesse fato e no comportamento de nossa civilização. É como é. Penso que o mais bacana de ser cientista social e de comportamento humano é poder observar e compreender os mecanismos que levam o indivíduo e a sociedade a determinadas atitudes e não julgá-las. No entanto, quando se trata da construção de valor ou equity das marcas, é necessário um olhar mais em perspectiva sobre o fator tempo.
A Identidade de marca é apenas um pedaço da construção de valor
O objetivo de qualquer marqueteiro é transformar um logo e um nome de uma marca em uma entidade viva, grandiosa, pulsante e, principalmente, que se relacione com a comunidade gerando engajamento coletivamente e em cada indivíduo, assim como se ela fosse uma outra pessoa.
Uma crítica recente que tenho feito diante de algumas estratégias de comunicação que vejo é sobre um uso bastante anabolizado das mídias sociais como o caminho principal e as vezes único para a construção de “valor ou equity” de marca. É claro que as plataformas de mídia social cumprem um pedaço importante desta tarefa, no entanto, vale destacar aqui: seu papel é apenas construir um contorno de identidade claro e relacionável para uma marca (e não produzir valor perene entre ela e seu usuário).
As plataformas de mídia social nadam de braçada no quesito construção de identidade de marca. Tem dúvida sobre isso? Todos os dias, 24 X 7, um “post” de uma marca que você escolheu se relacionar (ou – infelizmente – também daquelas que você não escolheu) aterrissa em sua timeline e, bingo, lá está você entendendo valores, comportamentos e a ética daquela marca e de seus líderes. Reconhecer racional ou emocionalmente a moral comportamental de uma marca é a maior entrega das plataformas de mídias sociais. Diria que elas são veículos da alma de uma marca. E, do ponto de vista de construção para a marca, seu papel para por aí.
Vale aqui uma redução didática do papel das plataformas para deixar clara a distinção entre “visibilidade” e “valor” na construção de “equity”. A pergunta que não quer calar: você pagaria mais por um produto ou defenderia o negócio desta marca apenas pelo seu comportamento nas plataformas de mídia social?
A resposta me parece óbvia, mas é assim que vejo alguns gestores de marketing superestimando o poder das plataformas vis a vis suas ambições de performance nos negócios da marca. Não podemos subverter o processo mental na formação de valor agregado das coisas, das instituições, das marcas e das pessoas. Explico melhor.
A função da memória – e do tempo – na construção de valor
O tempo e a memória são fundamentais para criação de valor de marca. Mesmo com os avanços tecnológicos da medicina e da biologia, o tema da memória ainda se coloca como um enigma para sociedade científica. (Neuro)cientistas, biólogos e psicólogos se debruçam em evidências de testes clínicos e de laboratório para levantar algumas hipóteses para desvendar essa charada.
Nas minhas leituras sobre o tema, encontrei o ponto de vista científico do PhD, Eric Kandel, que vale trazer aqui para esse meu artigo. Ele descobriu uma correlação direta entre a estrutura biológica cerebral e a memória, premissa científica que deu a ele o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina por isso. O cientista provou que a formação da memória ocorre a partir da criação de uma nova estrutura cerebral que surge de uma proteína codificada pelo neurônio. A essa nova estrutura, Kandel deu o nome de “engrama”.
Do lado do comportamento, o que se sabe até agora é que a combinação da cognição (aprendizado) e seus impactos (a emoção) são dois dos pilares fundamentais da memória e que juntos criam valor a respeito de qualquer coisa na vida ao longo do tempo. Antonio Damásio, neurocientista estudioso sobre o mecanismo da tomada de decisão nos indivíduos, deu o nome a esse fenômeno de Marca Somática. É quando o neocórtex (parte da razão) e o sistema límbico (parte do cérebro que controla as ações básicas e seus impactos) se relacionam entre si e trabalham em conjunto para formar um “landmark” (ponto de referência) cerebral, construindo a memória.
Poderia discorrer amplamente sobre os vários tipos de memórias que utilizamos todos os dias, mas fazendo desta longa história uma história curta, o mais importante é registrar que, em todos os “papers” de neurociência sobre o assunto, são nossas memórias que nos movem no sentido de adicionar valor às nossas vidas e que são capazes de “subir a barra” na percepção sobre um assunto, um negócio ou uma marca. Com esse panorama, fica muito claro que ações táticas e apenas cognitivas são importantes, mas não têm o poder e o peso de gerar “equity” de marca.
Equity e a captura de valor de marca
Como vimos, a palavra fundamental do marketing contemporâneo é “impacto”. A sociedade evoluiu tanto que, se isolada, uma mensagem de campanha institucional – inclusive as feitas no mundo online – não dá mais conta em fazer a diferença em responder as demandas e os anseios dos indivíduos. Estes exigem, acima de tudo, uma ação de impacto no coletivo, na comunidade, ou seja, que esteja acima do individual.
Podemos até embeber de emoção as narrativas de marca, como fazemos (e vemos) nas campanhas televisivas, nos posts bem-humorados no Insta, nas dancinhas festivas do TikTok, mas com uma sociedade mais crítica, mais educada e exigente, isso não é mais suficiente para uma verdadeira adição de valor para a marca.
Como coloca muito bem a teoria da “consciência coletiva” do professor e autor Richard Barrett, a clássica pirâmide de Maslow se tornou obsoleta para o século 21. Se lá atrás, Maslow pregava a autorrealização do indivíduo como o topo do pirâmide, hoje essa posição sozinha não basta para vivermos numa sociedade feliz (e justa). De acordo com o autor, os indivíduos enxergam e constroem valor naquilo que, de fato, é um bem coletivo e não mais somente de impacto individual.
É possível então ser fiar na certeza de que a captura de valor de uma marca está intimamente correlacionada ao impacto (e ao tempo) que essa marca exerce sobre o coletivo.
O Propósito de Marca e um Marketing Mix bem-feito nunca foram tão importantes
Muito já se falou sobre achar o propósito de uma marca e tê-lo como foco central das ações do marketing. Saber para quem a marca trabalha e como ela vai impactar esse público, são premissas centrais das marcas que mais constroem valor nos dias de hoje.
A criação e gestão de propósito empresarial e de marca, de forma abrangente, num marketing mix realmente diverso – e não apenas direcionado a gestão das mídia sociais – é certamente a melhor resposta para aumento (mesmo assim, não certeza) da lealdade e incremento de valor nos dias de hoje. Uma marca não se torna contemporânea porque abriu um canal de diálogo com seus usuários por meio da dancinha do TikTok ou dos memes nos posts. Uma marca se torna atual e moderna na resposta dada e no impacto gerado a partir das demandas solicitadas.
Por isso, o uso das técnicas das Relações Públicas no marketing é uma resposta bastante atual e eficaz para obtenção de valor agregado de marca, uma vez que a disciplina tem como tarefa diagnosticar as demandas dos diversos públicos e construir ações (e não narrativas) específicas para cada um deles.
A natureza nos ensina que o tempo tem um tempo. Na agricultura, não dá para apenas apertar um botão do FastForward e, pronto, o adubo fez efeito, a semente germinou e a flor nasceu! Gerar impacto e dar a visibilidade de que há uma intenção genuína daquela marca para com seus públicos leva tempo. É por isso, que o micromanagement das mídias sociais, sozinho, acaba apenas desviando a atenção do gestor, pois cumpre um pedaço do problema: o da cognição. O impacto (que gera memória) carece de mais força, de mais vetores.
Uma boa timeline de posts nas plataformas de mídia social é apenas a porta de entrada para geração efetiva de mudança. Para aumento da lealdade e margem? Mais ação e menos bate papo.
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