10 de Maio, 2024

Conquistar usuários em tempos de polarização é o maior desafio do marketing

O ativismo de marca pode ser controverso e perigoso, mas é uma realidade difícil de evitar. Como equilibrar a pressão por posicionamento e evitar o “cancelamento” digital?

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Uli Zamboni – Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara

Já que a espetacularização pelo clique é “arroz com feijão” nas redes sociais, aqui vai minha dose de influenciador, com uma afirmação chamativa: a sua verba de marketing já não tem a força que tinha há poucos anos.

O motivo não é a economia. Na verdade, é a polarização.

Se você é líder, empreendedor ou gestor de marca, duvido que não esteja enfrentando o desafio de tentar agradar a gregos e troianos com as campanhas que produz. É cada vez mais difícil.

Consenso é algo quase extinto na internet. Hoje, quando uma campanha é lançada, ela vai agradar alguns, converter poucos e, muito provavelmente, desagradar mais gente do que você gostaria – por mais que você se esforce para não gerar esse ruído.

Não que as campanhas tenham se tornado ineficazes. Na verdade, elas acabaram perdendo um atributo fundamental, desejado por todo gestor de marca do planeta: a universalidade. Qualquer estratégia de fortalecimento de “brand equity” precisa considerar essa realidade.

Em um cenário em que as pessoas estão divididas como nunca, separadas por visões e valores diferentes, as marcas enfrentam desafios cada vez maiores para lidar de maneira eficaz com essa diversificação. Isso não apenas diminui o retorno sobre o investimento em publicidade, mas também pode acumular detratores, o que potencializa os efeitos negativos sobre a imagem e a reputação da marca no longo prazo.

Será que estamos presenciando o fim do “advertainment”? Aquela junção de “advertising” e “entertainment” para fazer campanhas massivas e emblemáticas, que viravam assunto na praia, na academia, no trabalho e nas festas de família?

Não é novidade para ninguém que intolerância e polarização estão “na nossa mesa de trabalho”. Cada palavra, cada atitude, é medida por diferentes métricas e padrões.

Com isso, o trabalho de comunicação enfrenta um desafio duplo. Ele não só precisa transmitir, de maneira eficaz, a mensagem do produto ou serviço, mas também navegar entre as opiniões e julgamentos de milhões de usuários ativos nas redes sociais, que frequentemente expressam pontos de vista variados sobre a execução criativa das campanhas.

Somos 161,6 milhões de usuários da internet no Brasil, uma penetração de 87,2% entre a população acima de dez anos, segundo o IBGE. Desses, 86,3% usam as redes sociais.

O Brasil é o terceiro país que mais consome esse tipo de mídia no mundo. É o segundo com mais tempo de tela: são 9 horas e 32 minutos, em média, por dia, na frente do celular ou do computador.

É uma multidão de usuários com opiniões sobre tudo e sobre todos. A legião de detratores de marcas nas redes é gigantesca.

É por isso que entra na equação do marketing, de forma radical, a obrigatoriedade da segmentação. É preciso usar canais muito segmentados para atingir públicos específicos, além de gerenciar dados para alcançar novos usuários e ter um conhecimento profundo de economia comportamental.

É o fim da grande verdade inquestionável do marketing?

O que é novo e o que é diferente tem o poder de conquistar melhor, e mais rapidamente, o mercado. Há um século esse é o maior axioma do marketing. Mas será que essa verdade, tida como inquestionável, está ameaçada?

Marcas que se destacam são aquelas que captam o espírito do tempo e o refletem em suas campanhas, despertando o desejo dos consumidores e impulsionando vendas. Essas marcas são mensageiras que apresentam novos e excitantes estilos de vida, que definirão o que é caro à sociedade.

Mas, em um panorama em que as tendências de comportamento globais apontam para a ascensão de valores conservadores, surge um conflito conceitual entre essa premissa e a ordem social. O crescimento do conservadorismo representa não apenas uma mudança no espectro social e político, mas também na tomada de decisão e nas preferências comerciais do consumidor para o marketing atual.

E é aí que mora o problema.

Ao adotar uma postura mais contemporânea para se diferenciar, algumas marcas podem não apenas deixar de atrair e converter consumidores, mas afastar e desagradar uma parcela significativa deles, com inclinações mais conservadoras.

Ao longo do tempo, essa abordagem de rechaço a um estilo de vida mais moderno, apoiado pelas marcas, resulta em “liabilities” para as empresas. Mas a direção contrária também é verdadeira. Quanto mais conservadora uma marca, mais aberta ao cancelamento da internet e seus influenciadores ela estará.

É um dilema que coloca os profissionais de marketing e das agências de publicidade numa encruzilhada. A decisão do consumidor pelas marcas, até então lastreada pelas atitudes de vanguarda que ela apresentava, parece não ter mais tanta importância.

Ativismo de marca e a demanda por atitude

Isso não quer dizer que o impacto das marcas esteja diminuindo. A transformação dos modelos de negócios no mundo “figital” (físico, digital e social) está, na verdade, elevando a influência das empresas na sociedade.

Essa mudança está redefinindo o papel das marcas, que agora são vistas como agentes de impacto social cruciais. As mais modernas estão trabalhando ao lado de governos e instituições, com fins lucrativos ou não, para fomentar progresso nas comunidades em que atuam.

Portanto, há uma expectativa generalizada de todos os stakeholders, especialmente entre os millennials tardios e pessoas das gerações Z e alfa, de que uma marca dê opiniões e tenha atitudes sobre os grandes eventos da sociedade. É algo crucial, porque os nativos digitais brasileiros sempre estão acima da média mundial nas questões de ativismo empresarial, de acordo com a pesquisa “Gen Z and Millennial Survey”, da consultoria de negócios Deloitte International.

No cenário atual, as pessoas levam em conta os valores das marcas ao escolhê-las (ou não). Não só pelo que ela fala, mas, cada vez mais, por suas atitudes. O nome disso é ativismo de marca.

A American Marketing Association tem uma definição um tanto quanto confusa, mas assertiva: “Tentativas comerciais de promover, obstruir ou direcionar mudanças ou estagnações sociais, políticas, econômicas e ambientais com a intenção de encorajar ou impedir melhorias na sociedade”.

Até Philip Kotler definiu ativismo de marca, numa conceituação pra lá de capitalista, mas ainda sim, válida: “Ativismo de marca é um fenômeno definido como a atividade de uma empresa em tentar resolver desafios globais com os quais seus futuros clientes e funcionários se preocupam”.

Numa definição prática, ativismo de marca é uma abordagem estratégica “value-based” de gestão. É algo legítimo nos dias de hoje, em que marcas devem ter voz e ação.

Não há dúvidas de que o ativismo de marca traz diversas vantagens:

  • Fortalece a conexão com a comunidade
  • Dinamiza a reputação
  • Gera a tal diferenciação e coloca a marca na atualidade
  • Colabora na retenção e na atração de profissionais.

No entanto, reações adversas e visões contrárias ao ativismo podem levar à rejeição e ao boicote à marca. É um risco que os acionistas talvez não estejam dispostos a pagar. É aí que a nova equação de valor da comunicação de marketing não encontrou real balanço.

“Brand bravery” e os princípios básicos do ativismo de marca

Qual o limite do ativismo sem gerar desconforto ou detonar uma controvérsia nas redes? Como adotar um padrão ativista de marca e correr menos risco de ataques?

Não existe uma fórmula que proteja a relação entre uma marca ativista e seu público. No entanto, um estudo feito pela Curtin University, na Austrália, publicado em abril, aponta as sete dimensões que uma marca precisa abordar para iniciar o caminho de ativista. Essas dimensões têm sido chamadas de “brand bravery”, ou coragem de marca.

As sete dimensões do “brand bravery” são: 1. Altruísmo 2. Audácia 3. Coragem 4. Determinação 5. Destemor 6. Resiliência 7. Resistência

Encontrar esse conjunto de qualidades nas organizações modernas é desafiador, especialmente devido à volatilidade dos mercados e à pressão constante por resultados. São virtudes morais muito discutidas na psicologia e na psicanálise.

Elas definem uma personalidade sólida e forte. E indicam um trajeto comportamental importante para as marcas que querem ser contemporâneas e relevantes na era dos nativos digitais.

O estudo da Curtin traz dois exemplos bastante conhecidos de coragem de marca. O primeiro é o de Colin Kaepernick, ex-jogador de futebol americano que deu início aos protestos contra o racismo ao se negar a cantar o hino do país. A Nike se alinhou à iniciativa do atleta.

O segundo caso é da Gillette, que mudou seu tradicional e longevo slogan “O melhor que o homem pode conseguir” para “O melhor que o homem pode ser”. Uma mudança acompanhada de um comercial que derrubava atitudes tóxicas masculinas.

Ambas as campanhas enfrentaram reações virulentas. Pessoas queimavam pares de tênis da Nike e postavam nas redes sociais. Homens anunciavam que mudaram de marca de lâmina de barbear por não aceitar uma suposta suavização do papel masculino na sociedade.

O ativismo de marca e a coragem de marca oferecem caminhos poderosos para a diferenciação e o engajamento profundo com segmentos do mercado que valorizam tais posturas. Mas eles também acionam atitudes contrárias entre aqueles não alinhados com esses valores.

É fundamental que as empresas considerem a nova realidade de uma comunicação mais opinativa e ativista ao planejarem seus orçamentos e previsões de faturamento para os próximos anos.

A adoção de uma postura mais declarada pode, de fato, influenciar diretamente o desempenho financeiro, seja atraindo um público mais engajado, seja possivelmente afastando aqueles que não compartilham dos mesmos valores.

Isso requer uma análise cuidadosa e estratégica para garantir que, enquanto buscam se alinhar com causas importantes, as marcas também mantenham a resiliência financeira. Assim, elas se adaptam às possíveis flutuações no mercado resultantes de suas posições públicas.