Mesmo que os outros dias de evento do Possible 2025 não tivessem trazido conteúdos com insights relevantes, este último dia do evento, que relato aqui, trouxe profissionais de marketing de estatura global que impactam, de fato, o mercado publicitário mundiall, por meio de seus projetos e suas ações de marketing, muitas vezes corajosas e disruptivas.
Adobe, Adweek, Yahoo, X, GM, BMW, True Religion, Amex, Roundel (Retail Media Group da Target), Unilever, Lego, The New York Stock Exchange, entre outras grandes marcas globais e locais de peso, colocaram seus executivos C level nos palcos neste último dia, compartilhando suas visões do presente e, especialmente, do futuro do marketing e da comunicação.
O futuro tomou conta dos palcos do Possible MIami e foi discutido em todos os segmentos de negócios. O Possible 2025 trouxe o impossível para o dia de hoje. Muito é possível de se fazer no marketing a partir do que já está disponível. A seguir alguns highlights que considero pontos de reflexão de alto nível.
Futuros previsíveis?
Trago um comentário feito logo na abertura do dia por Greg Stuart, CEO da MMA Global e coorganizador do evento, que me pegou de surpresa — no melhor sentido da palavra. Diz ele: “Acredito que a segmentação de target hoje está sendo feita de forma errada. Ainda tem agência tentando identificar usuários com base em comportamentos do passado.”
A frase, intencionalmente provocativa, expõe uma crítica aguda ao uso de dados históricos para entender consumidores em um mundo cada vez mais mutável. Para Stuart, a lógica de segmentação por hábitos e atitudes registrados em pesquisas ou bancos de dados simplesmente não se sustenta mais. Em seu lugar, defende a experimentação contínua com testes A/B e criativos dinâmicos, uma espécie de “pulso em tempo real” do consumidor, necessário para marcas que queiram ser relevantes em tempos líquidos.
Além disso, traz a hipótese que foi amplamente discutida no evento, especialmente pelas AdTechs presentes, de que todos os anúncios serão criados e colocados na mídia no futuro por agentes de IA ou indiretamente por máquinas geridas por IA e sempre com alta personalização (meio e mensagem).
Stuart menciona que uma grande telecom americana teve resultado 270% maior em performance graças à personalização das ofertas a partir de IA, e que o futuro do marketing é esse: planos de mídia cirúrgicos e personalização. Não só. Ele afirma que o futuro do marketing é preditivo e que hoje já é possível atuar assim, encorajando a audiência a dar esse passo em suas organizações.
O futuro nos negócios: as novas bases de atuação
O dia correu nessa estrada de “futuro” pavimentada por Greg Stuart. Todas as palestras que se seguiram de alguma forma apelaram para o tema e para as condições atuais de gestão de marketing lançarem mão desses recurso, especialmente com o incremento da capacidade da IA a cada dia.
Frank Cooper III, CMO da Visa, foi até mais longe com o tema. Convidou Dylan Hendricks, do IFTF (Institute For The Future), empresa sediada em Palo Alto e que vem colaborando com pesquisas e construção de cenários estratégicos sobre futuros possíveis para as empresas de tecnologia e para organizações com e sem fins lucrativos (confesso que adoraria trabalhar com o assunto).
Nessa sessão, chamada “AI Agents: Culture, Commerce and Brands in an AI World” (algo como “Agentes de IA: Cultura, Negócios e Marcas no Mundo da IA”), Cooper entrevista Hendricks, mas já traz um conceito disruptivo para a conversa. “Nós, na Visa, acreditamos que o marketing está evoluindo do B2B e B2C para o B2AI, e a questão que fica é como se preparar para esse futuro”.
A automatização das transações para liberar os indivíduos para as questões que mais importam é uma tarefa atual do Marketing da Visa. Cooper tem uma visão mais do que simplesmente otimista sobre IA; ela é quase poética. Ele acredita que a IA chegou para livrar a humanidade de tarefas que não têm significado, levando os indivíduos a mais aproximação e sentido. E coloca essa premissa como norte no eixo central do marketing de Visa nos Estados Unidos.
É claro que as questões levantadas nessa sessão giraram em torno da desconfiança da máquina em relação ao indivíduo e no impacto da IA nos negócios, na sociedade de consumo e na cultura. Quem ainda não se deu conta que esses três pilares do marketing estão em plena transformação está fadado ao fracasso.
A pergunta principal desta sessão do Possible Miami é: como serão os negócios na próxima década? E, não por acaso, ambos, tanto a VIsa quanto o IFTF elaboraram possíveis cenários para esse futuro num estudo recente que tenta endereçar essas e outras questões fundamentais para os negócios. Se quiser ler o relatório completo, clique aqui.
O futuro do jornalismo, retail media e as X
Jornalismo
A sessão “The future the News is Now” teve a presença de executivos da área do jornalismo e assessoria de imprensa, como os da Adweek e do The New York Stock Exchange.
Informação é o combustível de nossas vidas, especialmente no mundo das mídias digitais e nunca foi tão acessível e, na franca maioria das vezes, gratuita. Como um negócio do setor pode sobreviver numa conjuntura de desvalorização do seu produto principal? Se um jornal tem opinião política de esquerda ou de direita, uma marca pode sair ferida por isso?
O que se viu nessa sessão foi um chamado urgente à reinvenção do jornalismo e das marcas que o sustentam. Em tempos de desinformação viral e desconfiança institucional, fugir de temas complexos em nome da “brand safety” não apenas empobrece o debate, como desconecta as marcas do que realmente importa para a sociedade.
A boa notícia é que o futuro já aponta caminhos: a inteligência artificial pode ser uma aliada poderosa — desde que guiada por propósito, curadoria humana e compromisso com a verdade. Ao colocar a geração Z no centro das narrativas e transformar audiência em comunidade, o jornalismo volta a ocupar seu lugar: não como veículo passivo de cliques, mas como agente ativo de transformação cultural e relevância de marca.
Retail media
CMOs da Unilever, Lego e Target trouxeram suas reflexões sobre o assunto. Por incrível que pareça, a grande estrela da conversa não foi retail M=media como alavanca de receita incremental para as marcas, nem sua importância enquanto negócio (até porque isso está absolutamente consolidado aqui nos Estados Unidos), mas sobre conhecimento profundo do comportamento humano e suas atitudes em todos os momentos do funil de conversão.
Não só. Destacou-se a consistência de um discurso de marca que impacta na vida do usuário, sem espumas desnecessárias ou movimentos oportunistas que não agregam valor. Ryu Yokoi, Chief Media Officer da Unilever, lembrou da consistência e relevância cultural de Dove com 20 anos de campanha da Beleza Real. E, claro, como não poderia deixar de ser, Beth McKenna, head de Marketing da Lego, enfatizou a importância de se compreender os públicos usuários para construção de experiências e vínculos que inspirem e desenvolvam a relação entre ambos.
Atenção muito especial ao X, de Elon: Grok & Colossus
Em entrevista ao jovem Podcaster Anthony Pompliano, de apenas 34 anos e que tem já uma audiência acumulada de 54 milhões de views nos últimos dois meses na plataforma, a CEO do X, Linda Yaccarino, sobe ao palco com uma missão: se afastar de temas políticos e do envolvimento de Elon no governo americano.
É inegável o poder da plataforma. Inegável é pouco. Os números e seus significados psra a sociedade são realmente de um game changer na cultura atual.
O X está se posicionando como mais do que uma rede social — está se apresentando como um ecossistema de mídia em tempo real, combinando informação, tecnologia e liberdade de expressão — esse último, sua grande bandeira em comparação aos concorrentes.
Ao combater fake news com inteligência coletiva e integrar IA para personalizar e monetizar conteúdo com precisão, a plataforma se afasta das mídias tradicionais e diz que oferece um novo modelo para o futuro das comunicações digitais.
A principal arma contra a desinformação e as fake news é a ferramenta Community Notes. Para quem não sabe, trata-se de um sistema de inteligência da plataforma que permite agregar aos posts informação ou correções aos posts — e já conta com 1 milhão de colaboradores em mais de 200 países. Vale a curiosidade: usuários que interagem com posts corrigidos têm 60% menos chance de compartilhá-los novamente, e autores de posts corrigidos têm 80% mais chance de deletá-los.
O recente afastamento de Elon Musk do governo americano pode melhorar a situação financeira do negócio. No entanto, é inegável seu poder. Alguns fatos importantes sobre a plataforma:
- O X se consolidou como principal app de notícias em 140 países, com 65% dos usuários dizendo que é sua fonte nº 1 de informação;
- A geração Z representa 31% da base de usuários, atraída por autenticidade, humor, memes e atualizações em tempo real. Essa geração é projetada para ter US$ 36 trilhões em poder de compra até 2030;
- São 600 milhões de usuários ativos mensais, com crescimento acelerado graças à relevância cultural da plataforma — eventos como o anúncio de aposentadoria de Tom Brady e o novo álbum de Beyoncé aconteceram primeiro na X;
- O consumo de vídeos na plataforma cresceu 50% no último ano, com novos recursos, como vídeos em 4K e ilimitados para criadores premium.
Acima disso tudo, a plataforma criou o Grok, nome da IA desenvolvida pela xAI, empresa de Inteligência Artificial de Elon Musk, que está completamente integrada à plataforma X. Durante a apresentação, Linda Yaccarino destacou que Grok é alimentada em tempo real pelos dados da X, o que a diferencia de outras IAs “estáticas”.
Além disso, a xAI construiu o supercomputador Colossus em apenas 122 dias, descrito como “o mais poderoso do mundo”, o que reforça a capacidade de velocidade de execução da empresa.
Dito isso, o X se consolida como uma plataforma inigualável — queiram ou não os militantes da esquerda mundial — que deve surpreender novamente este ano dando ênfase às parcerias e portais dentro da plataforma com NBA, ESPN, NCAA, Fifa e Olimpíadas.
Valeu a pena?
Cheguei desacreditado ao evento, que tem apenas 2 anos de vida e que a turba brasileira ainda não descobriu. Sai de lá com mais informação acumulada em marktech e negócios do que tive, por exemplo, na SXSW deste ano, ao menos, com muito mais informação sobre negócios e menos sobre filosofia.
Apesar dos Estados Unidos ainda serem o mercado número 1 em prêmios de criatividade e estratégias de comunicação contemporâneas, vi uma miríade de AdTechs propalando a máxima de que campanhas de ofertas e promoções deixarão os desktops de criativos e passarão a ser geradas para os agentes de IA, com seus testes AB e seus layouts alternativos mudando segundo a segundo.
Vi também uma realidade de performance inigualável. E um momento presente de Inteligência Artificial digno de filme de ficção, que já está em pleno funcionamento, apesar dos rápidos desenvolvimentos tecnológicos da ferramenta.
E entre um Anthony Pompliano com 52 milhões de views em 2 meses, uma IA com nome de supervilão – Grok – treinada por um Colossus construído em tempo recorde, e uma legião de fact-checkers voluntários que corrigem fake news com a força de um megafone global, saí com a sensação incômoda de que o futuro não está apenas batendo à porta — ele já entrou, sentou no sofá e está escrevendo nossos posts por nós. O problema não é mais a desinformação, é saber se ainda temos algo original a dizer antes que os algoritmos nos editem em tempo real. X, literalmente.
Ulisses Zamboni – Chairman & Sócio
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