Uli Zamboni – Sócio Fundador e Chairman da Santa Clara
O diretor financeiro da minha consultoria de marketing e comunicação conta de vez em quando a seguinte piada: “Sou ‘planilheiro’, portanto, não me cobre respostas sobre os assuntos dos ‘designers’”.
Essa máxima do meu financeiro descortina a nova realidade no mundo dos negócios: ou você é um planilheiro, quer dizer, aquele que se apoia nos números, nas fórmulas e nos gabaritos ou é um designer, aquele que consegue se fiar também na intuição e nas questões subjetivas dos negócios para tomar suas decisões. E qual o mundo ideal? Ter uma combinação perfeita entre os dois mundos.
A recente história do marketing digital acabou deixando a balança dos planilheiros muito mais pesada graças às leituras dos dashboards de performance de mídia social e das campanhas digitais, além dos escrutínios aos data lakes (estruturados ou não) e dos testes A, B das campanhas de CRM pela web.
A tendência em se apoiar radicalmente em números não é nova e, muito menos, apareceu somente agora com o surgimento das plataformas digitais. Nas décadas dos anos 80 e 90 do século 20, o mercado brasileiro adotou fortemente o padrão americano de se pensar negócios e assumiu com rigor a disciplina de pesquisa de mercado como a “grande avenida” de consulta para obtenção das respostas aos seus problemas de marketing.
Naquela época, os profissionais de pesquisa de mercado eram vistos como os mentores intelectuais dos CEOs e presidentes, geralmente alçados à mesma altura de um experiente profissional do conselho, pela simples razão de que eram os tradutores fiéis do que estava acontecendo no mercado. Traduziam com insights fantásticos os comportamentos da sociedade e os movimentos da concorrência, sempre com uma fidelidade aguda à realidade da época.
Mas, qual a semelhança entre os “pesquisadores” do passado e dos “dashbordistas” (just kidding) de hoje? Para o mundo da comunicação, a resposta é absolutamente nefasta: menos risco. Vamos combinar que tomar decisões por meio dos “números apresentados” está mais para “seguir uma receita de bolo” do que criar um doce novo? Será que adicionar (ou retirar) um ingrediente a mais na receita não a faria ainda mais gostosa?
Quero levantar aqui uma reflexão para você, gestor, sobre o quanto essa diminuição de risco vai te levar a uma posição de destaque, diferenciada na carreira.
Mais inovação pressupõe mais risco que pressupõe mais ganho no futuro
Questões filosóficas à parte, observo que ambas as formas de gestão, a mais planilheira (voltada aos números) ou a mais designer (voltada à intuição), estão à mercê da capacidade de cada gestor em sustentar risco no curto, no médio e no longo prazo.
O fato é que a infinidade de dashboards que vemos passar por nossas mesas no dia a dia acabam por dizimar quase que por completo a nossa capacidade de abstração. A obsessão pela certeza do caminho estratégico a ser seguido por meio dos números pode ter deixado de lado narrativas de marca mais inovadoras e, portanto, mais poderosas e de maior ganho no curto e longo prazo.
O fenômeno da positividade tóxica da sociedade, em que o copo deve ser visto sempre como meio cheio, invadiu os departamentos de marketing. E tem desviado a atenção dos gestores para o que deve realmente ser feito: enxergar o copo “meio vazio” para descoberta do novo, daquilo que está faltando e do que pode ser a inauguração de um novo paradigma de toda uma categoria no futuro. Repetir o passado é enxergar o copo meio cheio. O velho exemplo da Apple dá sinais inequívocos dessa premissa: se Steve Jobs tivesse olhado o copo meio cheio, ainda estaríamos usando desktops bege.
Não afirmo aqui que o gestor de marketing e marcas deva manejar apenas a filosofia e a abstração e esquecer as planilhas, mas dosar de forma equilibrada onde ele pode se apoiar nos números e onde ele pode se apoiar na intuição, por mais que os números o leve para decisões diferentes.
Insights da planilha? Também dá
O baseline deste artigo é que estamos, na prática, discutindo a efetividade do trabalho de marketing para longevidade das marcas (não chamo de sustentabilidade pois a palavra está desgastada).
Na economia da dopamina, onde o indivíduo procura novidade e surpresas em todos os campos de sua vida, seguir apenas as planilhas como elemento fundamental para a estratégia de narrativa de marcas parece ser um suicídio ou uma abreviação de sua relevância.
E quando digo “seguir as planilhas”, estou dizendo: ler o comportamento padrão, observar o que já foi observado, confirmar e repetir. Olhares mais subjetivos às planilhas são bem-vindos. Por que não colocarmos mais “designers” para lerem as planilhas conosco?
E o que está claramente acontecendo é a procura interminável e incansável de executivos por números, gabaritos e padrões que confortam suas decisões e que como subproduto tem deixado as marcas mais invisíveis, comoditizadas. Pense agora, enquanto você lê esse artigo, quais as mais recentes narrativas ou campanhas de comunicação que te impactou pela diferenciação?
É claro que este artigo aqui é mais uma provocação do que uma reflexão profunda até porque o marketing e as narrativas de comunicação são construídos a partir de complexas variáveis que juntas constroem o todo, mas talvez valha a pena um chacoalhão de vez em quando para gente acordar nosso comportamento e não seguir a massa, não repetir atitudes já conhecidas e, mais que tudo, não se mostrar igual num mundo que quer sempre te ver diferente.
A diferenciação na narrativa de marca em comunicação é sempre bem-vinda. Acolhe as ambições do mundo contemporâneo (inovação e relevância), além de posicionar uma marca com estatura no “hoje” e construir valor de marca (“equity”) no longo prazo. Fique atento à positividade tóxica, ao pensamento de bando, ao grupo se impondo ao indivíduo e, acima de tudo, ao perverso mundo “dashboardiano” das plataformas digitais. E seja feliz.
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