24 de Outubro, 2025

O problema não é o Capitalismo, mas como o fazemos.

O Capitalismo Consciente chega aos 16 anos com uma autocrítica: o problema nunca foi o sistema em si, mas a forma como o executamos. Em Cincinnati, líderes de todo o mundo discutiram menos o que mudar e mais como liderar com propósito, ética e empatia em tempos de IA e colapso de confiança. A nova fronteira do capitalismo não é tecnológica, é humana — e o desafio não é reinventar o lucro, mas o líder que o produz.

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Acho que vale fazer aqui, uma introdução anedótica sobre o cotidiano vivido aqui nos Estados Unidos já que ele reflete bem o recorte atual do capitalismo americano. 

Um apartamento de 50 metros quadrados em Manhattan, Nova Iorque, não custa menos de U$4,700 por mês; a inflação de alimentos no supermercado para determinados produtos alcança dois dígitos; a distância entre ricos e pobres na cidade está inequivocamente cada vez maior. 

A eleição para prefeitura nos Estados Unidos será em 04 de Novembro, portanto, logo aí. E, até mesmo para os que não gostam de política, sabem que o que ganha mesmo as eleições não são as intenções altruístas dos candidatos mas a pujança e a performance da economia. 

São quatro os candidatos para a prefeitura de NY: o atual prefeito que quer ser reeleito, Eric Adams, sem partido (sim, aqui candidatos podem ser independentes), mas que enfrenta acusações de corrupção e contribuições ilegais para campanha deste ano; Andrew Cuomo, também independente, que carrega no currículo alegações no histórico de abuso sexual no passado; Curtis Sliwa (Partido Republicano), indicado por Trump ele é ativista e apresentador de rádio, que já disputou a prefeitura em 2021 e Zohran Mamdani, um jovem filhos de imigrante de 33 anos, deputado estadual e socialista democrático (?), venceu as primárias democratas em junho de 2025. Sua plataforma inclui impostos para milionários, congelamento de aluguéis, reforma de moradias públicas, gestão de supermercados pelo Estado (?) e regulação mais rigorosa de proprietários dos imóveis.

Pense bem (aliás, nem precisa pensar muito): em qual histórico e narrativa política você votaria?  Como diria James Carville, estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton, “it’s the economy, stupid”. 

Você não consegue pagar suas contas, não confia nos políticos do passado e tem ressentimentos com as elites bilionárias. Daí chega um “novato” que é antissistema, “expõe as feridas” sociais, desejando até ser odiado pelo menosprezo que sente sobre o que está acontecendo e…bingo! 

Mesmo estando no espectro político oposto de Mamdani, foi exatamente deste jeito que Donald Trump levou a primeira eleição à presidência americana, furando a bolha da situação política do momento, dizendo que entende dos problemas das pessoas e direcionando seu discurso diretamente para elas. Isso tem nome: populismo.

Mamdani, apesar de ser de uma esquerda mais radical, usa o mesmo caminho de estratégia de discurso do Trump: a economia. Ele deve ganhar as eleições para prefeitura. 

A consequência imediata disso é que o princípio da livre iniciativa está em jogo na maior cidade americana e uma das maiores do mundo. A narrativa abertamente contrária ao sistema de Mamdani descortina uma realidade dura e não é a de que as pessoas são simpáticas ao socialismo, mas sim porque elas não acreditam no capitalismo atual.  

A gente precisa de um capitalismo melhor, mais centrado nas pessoas e muito menos no capital. Um capitalismo, eu diria, mais consciente. 

Rediscutir Capitalismo no primeiro quarto do século 21 

Nova Iorque ou Chicago? Não, Cincinnati, Ohio! Foi lá que Timothy Henry, o novo CEO do Conscious Capitalism – CC, resolveu realizar a reunião mundial do movimento, um evento que se propôs a rever o futuro das empresas conscientes no mundo. 

Participei do “The Future of the Conscious Enterprise”, traduzindo livremente “O Futuro das Empresas Conscientes”, como membro há mais de 10 anos, co-fundador do novo CCBrasil – Capitalismo Consciente Brasil – para tentar interferir e também compreender qual seria o melhor futuro deste movimento nos Estados Unidos, no Brasil e no mundo.

Tão controverso quanto o local do evento foi seu conteúdo. O denominador comum na cabeça dos participantes era um só: como manter os negócios, de forma minimamente equilibrada, em meio ao caos que vivemos. 

Polarização generalizada, caos geopolítico, conflitos civis e terrorismo pelo globo, inflação real e escondida em alimentos e serviços, guerra de tarifas de importação e exportação, diplomacia em jogo, IA substituindo humanos, tecnologia atropelando a conversa. 

O acrônimo BANI (brittle, anxious, nonlinear, incomprehensible) é uma realidade na gestão empresarial e, infelizmente, encapsula o que há de mais desesperador para qualquer gestor, especialmente no que diz respeito ao elemento da não linearidade. Em qualquer escola de negócios, o mantra é simples: empresas precisam de previsibilidade.

Enfim, todo tipo de vulnerabilidades para os negócios está se apresentando neste quarto de século para um capitalismo cada vez mais questionável. 

Presentes no evento estavam mais de 30 capítulos do movimento nos Estados Unidos e no mundo, também com a participação de mais de 16 CEOs de empresas americanas, além de keynote-speakers famosos pelos livros publicados sobre o assunto e universitários (geração Z) tentando encontrar sentido em fazer negócios, mas ao mesmo tempo se alinhar com princípios mais contemporâneos.

Logo na abertura do segundo dia de evento (o primeiro foi dedicado apenas às questões mais complexas do movimento – seu modelo de negócio e modus operandis) Timothy Henry compartilhou com a audiência a premissa que mais me encanta sobre o movimento. 

Diz ele: “A livre iniciativa tirou mais pessoas da pobreza do que qualquer outro sistema socioeconômico já concebido. Os negócios como conhecemos são heróicos porque tiram pessoas da pobreza e criam prosperidade”. 

O problema atual é que o mesmo capitalismo está devolvendo boa parte do público para a pobreza. Senão completamente, parcialmente. 

Mas, vale aqui um lembrete. Se você, logo de cara, não concorda com as premissas de que o capitalismo tirou o mundo da pobreza, você simplesmente não vai concordar com nada do que estou dizendo neste artigo. 

Para falar bem a verdade, deparo cotidianamente com os céticos do capitalismo que, na sua grande maioria, tem como premissa (amplamente equivocada) de que capitalismo é um jogo de soma zero: para você enriquecer, você precisa tirar de outra pessoa um equívoco lamentável.

Salvo exceções mais evoluídas e menos propensas à serem levadas por narrativas, a geração Z e Alpha, por exemplo, tendem a ignorar as conquistas deste sistema econômico porque chegaram praticamente com a vida ganha. Esses segmentos ainda não conseguiram enxergar relevância no sistema e, pior, vem usando as plataformas de mídias sociais como ferramenta contra ele.    

É claro que existe uma série de coisas que precisam ser melhoradas e ajustadas no capitalismo. A situação de NY citada na introdução deste artigo é prova disso, no entanto, é exatamente aí que entra este movimento; aliás, um movimento que foi lançado há mais de 15 anos. 

Quer outro exemplo sofrível do capitalismo selvagem? Um CEO, geralmente das multinacionais, ganhar até 600 vezes mais do que um de seus funcionários em nível médio. E, olha que não estou nem falando do trabalhador chão de fábrica.   

É por essas e outras discrepâncias que o capitalismo vem criando ceticismo e perdendo relevância nas novas gerações. E, até com os Baby Boomers. 

Comportamento: novos atributos, novas atitudes, novos tempos.  

Workshops e Palestras popularam o evento na discussão da missão do CC em elevar o capitalismo na promoção de uma liderança consciente e boas práticas nos negócios, especialmente em tempos de tecnologia na velocidade da luz, elementos que fazem descarrilar o trem de desenvolvimento de qualquer empresa se não for gerido com consciência.    

Ficou bastante claro que os pilares que constituem a filosofia de um Capitalismo Consciente permanecem inabaláveis e se tornam cada vez mais relevantes. 

O propósito da empresa existir continua a ser o carro chefe do movimento juntamente com o poder de gestão equilibrada da liderança não só no negócio, mas especialmente em fazer uma gestão focada nas pessoas e não exploratória. 

O cuidado com os stakeholders como forma de proteger e dar sustentabilidade à cadeia de valor e construir uma cultura empresarial com princípios contemporâneos que sobrevivam aos percalços do mundo moderno são os elementos que estão estabelecidos como bases inalteradas do movimento. 

No entanto, mais de 16 anos depois de seu lançamento, o CC enfrenta uma transformação sociológica e até antropológica sem precedentes. 

Algumas preocupações que estavam escondidas embaixo do colchão do berço corporativo, portanto, tiveram que aparecer, já que são evidentes os danos psíquicos à sociedade (stress elevado, doenças cardiovasculares e burnout) gerados pelo pesado cotidiano das empresas.

Senso comum entre os executivos presentes foi apontar para capacidade de resiliência, agilidade e inovação de empresas como subprodutos da consciência empresarial, capacidades imbuídas de valores subjetivos de confiança, alto engajamento e segurança psicológica para os colaboradores. 

Portanto, se nada “cai por terra”, qual o problema? 

O foco da reunião não esteve no “o que” fazer, mas no “como” fazer. Os pilares do CC acima descritos continuam inabaláveis, aliás, o contexto atual do capitalismo traz a sensação de que estão corretíssimos. O problema está no “como” fazer. 

“Tem uma série de coisas que tem que ser reparadas, atualmente. O que o Capitalismo precisa são de mais pessoas adotando o sistema só que executando do jeito certo”, enfatiza Timothy na palestra de abertura. 

A proposta é cristalina: elevar a prática do capitalismo através – repito em outras palavras: por meio – de uma liderança consciente que, como consequência, gera negócios conscientes. trata-se de concentrar esforços em líderes empresariais cuja cartilha fundamental é o bem-estar coletivo e não apenas o individual. 

A tendência humana é replicar boas práticas, e os gestores de empresas são exemplos bem mais próximos da população, merecendo atenção especial por sua capacidade de serem modelos replicáveis na sociedade. Eles superam em importância até mesmo as celebridades, políticos e influenciadores digitais.

O capitalismo consciente é um filosofia de negócios e está acima do capitalismo puro. Se fizermos uma engenharia reversa para observar o sucesso dos negócios que realmente florescem, iríamos deparar nos encontrar com líderes que exercem sua gestão da maneira mais humanizada possível. 

A Inteligência Artificial e o Capitalismo Consciente.

Presente no evento estava Gopi Kallayil, Estrategista Chefe de Inteligência Artificial do Google.

Sua posição no Google é por si só interessante para ele ser ouvido, mas seu currículo enquanto profissional e “ser humano” é, para dizer o mínimo, curioso. Ele mesmo se define como triatleta, palestrante, viajante global. Já palestrou para o TEDx, The World Happiness Summit, e Wisom 2.0. Músico, lançou já três álbuns e é autor de dois livros sendo “The Happy Human” (“O Humano Feliz”), o mais recente. 

Formado em Stanford, Gopi não poderia estar mais alinhado com a proposta do foco na pessoa dentro das organizações. 

De acordo com Gopi, estamos no melhor momento para negócios que querem ser conscientes, já que a inteligência artificial está aí para multiplicar a produtividade para o indivíduo de forma mágica.

Menciona quão atual é o propósito empresarial do Google (“organizar e disponibilizar democraticamente toda informação do mundo”) e o quanto a IA multiplicou essa missão milhares, senão milhões de vezes. E, provoca a audiência com uma pergunta: qual é a maior oportunidade de negócios conscientes que cada um naquela sala (e os empresários no mundo todo) têm usando a IA? 

Indo na direção oposta do senso comum que enfatiza que IA é uma ferramenta de substituição de mão de obra para aumento margens, Gopi deixa clara a ambição e a responsabilidade do Google com seu desenvolvimento: “IA é a ferramenta que amplifica – e não substitui – as mãos dos colaboradores para que resolvam problemas complexos, atingindo resultados que eles sozinhos jamais conseguiriam”.

Apela para aquela velha máxima, mas absolutamente verdadeira, de equiparação da invenção da prensa mecânica, da eletricidade e das máquinas para fazer valer de que estamos num momento potencial de mudança do curso da civilização, especialmente sobre as questões de implicações éticas. 

Deixa claro que o desenvolvimento da IA é um momento chave para humanidade e, por isso, faz-se necessário o comprometimento dos negócios na tarefa de evoluir com o uso da tecnologia para um bem maior, com responsabilidade ética e consciência.   

A lição aprendida.

Verdade seja dita, todo o Congresso foi centrado no “como” fazer um mundo melhor e não no “o que”. E talvez esse seja o ponto mais revelador de todos. O “o que” já está dado, afinal, ninguém ali duvidava da urgência de um capitalismo mais justo, sustentável e humano. 

O impasse está no caminho, no método, na coragem e, sobretudo, na coerência de colocar propósito acima de ego, valor acima de preço, humanidade acima de métricas. Aliás, como sempre comento para aqueles que querem que tenhamos um projeto de certificação para empresas conscientes, atesto que “consciência” não se certifica, ela está lá presente na mente do ser humano. Uns usam, outros não.

Falar sobre “como” é aceitar que a transformação não virá por decreto, mas por cultura. Que não se trata mais de reformar o sistema, e sim de reeducar quem o opera. O “como” é o novo campo de batalha do capitalismo contemporâneo, onde líderes conscientes deixam de ser idealistas para se tornarem pragmáticos, e onde a consciência deixa de ser discurso para virar desempenho.

Em tempos em que a Inteligência Artificial promete reinventar o mundo, a tarefa mais complexa ainda é reinventar a nós mesmos. Porque, no fim, o que separa o capitalismo que adoece do capitalismo que evolui é a forma e a forma, como se viu em Cincinnati, importa mais do que nunca.

Ulisses Zamboni – Chairman & Sócio

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