28 de Agosto, 2024

City branding: uma das mais complexas tarefas do marketing contemporâneo

Paris perdeu a oportunidade de conduzir um city branding com a Olimpíada, mas nos permite aprender com isso

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Sabe aquelas estruturas de aço montadas pelas prefeituras do interior que servem como arquibancadas nos desfiles de escolas de samba no carnaval em todo país? E aqueles banheiros públicos de plástico em eventos de música que mesmo antes de começar o line-up de artistas, já está cheirando muito mal? 

Também, sabe aquela ação policial que coíbe manifestações sindicais, forradas de ameaças e truculência feitas com metralhadora em punho? Pois é, some tudo isso a uma chuva pesada e você já compreendeu como eu percebi o evento de abertura da Olimpíada de Paris neste último 26 de julho passado, ao qual estava presente. 

No espírito da transparência, devo dizer que fui para os Jogos de Paris por força das circunstâncias. Eu tinha comprado um pacote para a Olimpíada de Tóquio 2020, que por causa da pandemia acabou sendo realizada em 2021 e sem presença de público, e não havia perspectiva de devolução do dinheiro pago por tal pacote. 

Então, fui praticamente “empurrado” pela agência de viagem a ir para Paris. Ocorre que já morei em Paris e, com base nessa experiência, minha previsão – chamem-me de pessimista – era de que seria um evento desastroso.

As atitudes de uma marca de evento – no caso, a marca Olimpíada de Paris – podem construir ou destruir os valores associados a uma marca de cidade – no caso, a marca Paris – no inconsciente coletivo.

Em vez de usar o adjetivo “desastroso”, direi que a cerimônia de abertura foi um evento formatado para televisão, o que não surpreenderá ninguém agora, a posteriori. Mas a audiência presente foi pega de surpresa. 

Ela não foi avisada de que seria uma espécie de mockup de plateia para aparecer na TV, nada mais. O pior é que pagamos fortunas pelas cadeiras ao longo do Sena para presenciar um passeio de barquinhos com número reduzido de atletas e bandeiras encharcadas pela chuva, que deveria estar nas previsões. 

Este artigo não deve ser visto, no entanto, como uma reclamação pessoal aos organizadores do evento. Nem tampouco como um lamento de alguém frustrado depois de esperar anos por uma festa de classe mundial e receber uma de categoria B no lugar. 

Trata-se de um artigo sobre como as atitudes de uma marca de evento – no caso, a marca Olimpíada de Paris – podem construir ou destruir os valores associados a uma marca de cidade – no caso, a marca Paris – no inconsciente coletivo. É um artigo de branding,  especificamente city branding, escrito a partir da percepção de quem estava lá e com a experiência de especialista em construção de marcas.

Há de se destacar que os projetos de city branding podem lidar com um nível de complexidade e de variáveis muito maior do que quaisquer outros na seara de comunicação e do marketing. 

Mas nem por isso eles têm o direito de errar mais do que outros projetos de marketing. Eu diria que é justamente o contrário: projetos de branding deveriam ter ainda mais excelência do que os demais porque mexem diretamente com a vida de todos os cidadãos. 

Três aprendizados-chave

A seguir, destaco aprendizados de Paris e de outras cidades em relação ao tema do city branding.

Atrações turísticas não bastam para honrar uma promessa

Se passarmos uma régua no que chamamos de “atributo-chave” para o posicionamento de marcas-cidade, Paris pode ser classificada entre as marcas menos privilegiadas. Afinal, já é chacota mundial que a cidade é avessa a turistas, especialmente asiáticos. Paris é quase obrigada a abraçar seus visitantes, já que o turismo está no “top 3” dos setores econômicos da França. 

Nesta Olimpíada, o tal atributo se fez presente novamente. Podemos traçar uma clara linha divisória entre os parisienses voluntários do Comitê Olímpico Internacional (COI), importantes na questão operacional, e os cidadãos parisienses propriamente ditos. 

A diferença de atitude entre ambos era monstruosa. No entanto, mesmo o serviço dos voluntários (na grande maioria, parisienses) mostrou-se frouxo e reativo, se comparado aos que tivemos na Olimpíada do Rio de Janeiro com voluntários gentis e sorridentes. 

A imagem de virtude sustentável prometida pelo governo francês e pela prefeitura de Paris não correspondeu à realidade geral.

É verdade que as arenas estavam impecáveis. Deslumbrantes mesmo. A ideia de que a utilização de equipamentos urbanos já existentes poderia tornar o evento mais sustentável e com menor pegada de carbono funcionou. Deixou essa Olimpíada com estimativa de ter gasto apenas de 60% do que se gastou na Olimpíada do Japão e metade da realizada no Rio. 

O Grand Palais, uma das joias da cidade e do modernismo contemporâneo, é um dos exemplos de beleza indescritível dos Jogos de Paris. Serviu de palco para a esgrima, misturando esse esporte com seu significado cultural para a cidade. 

No entanto, a imagem de virtude sustentável prometida pelo governo francês e pela prefeitura de Paris não correspondeu à realidade geral. Na prática, além da falta de simpatia dos parisienses, centenas de milhares de turistas se viram presos em uma espécie de jogo de campo minado. 

Ruas e áreas inteiras estavam interditadas para o transporte e para o público, tornando a locomoção um desafio gigantesco, talvez o maior comparando as últimas edições dos Jogos Olímpicos. Assim, a sinalização de virtude acabou gerando um efeito contrário, prejudicando a imagem da cidade.

A cidade confiou na sua beleza arquitetônica e cultural para mascarar falhas operacionais Foi como se terceirizasse para seus edifícios históricos o papel de embaixadores da cidade. E, a meu ver (sei que não estou sozinho nessa percepção), isso não funcionou.

Uma Olimpíada pode, sim, proporcionar um city branding

Os Jogos de Paris não foram idealizados para “relançar” a cidade ao mundo, e sim para agregar valor à cidade, como é o objetivo na maioria das sedes olímpicas. Mas poderiam, sim, ser parte de um projeto de city branding, a exemplo do que foi a Olimpíada de Barcelona. na Espanha, em 1992. 

Uma vez selecionada, o que fez Barcelona? Expôs-se para ser valorizada no imaginário da população mundial. Vale lembrar que, apesar de ser berço das obras de Gaudí e Miró, a capital catalã vivia, antes do evento, uma situação de abandono e criminalidade. 

Barcelona pôs em prática uma transformação urbana e arquitetônica radical para a preparação para o evento, incluindo melhoramentos em infraestrutura, projetos de reformas urbanas e até desenvolvimento de projetos de espaços públicos, especialmente na orla da cidade. E, claro, incluindo ajustes na política pública da criminalidade. 

A partir de então, a marca da cidade passou a ser (e é até hoje) de alegria e festa, com uma personalidade sempre vibrante. Os bens de Barcelona, que são sua arquitetura e a herança cultural catalã, foram enaltecidos, formando destino certo de viagem para turistas de todo o mundo.

O city branding muda a vida das cidades e seus cidadãos

City branding é uma ramificação do branding clássico, e é infelizmente uma prática pouco usada no Brasil. Tem como meta única subir degraus de percepção positiva no imaginário do visitante, já que foca em trazer valor para a cidade. 

É usado para transformar, construir ou reconstruir equity da marca da cidade no imaginário coletivo. E note que não são poucos os exemplos de projetos de city branding de sucesso espalhados pelo mundo que fizeram a vida da cidade se modificar para melhor. 

Amsterdã, Nova York, Sydney e Singapura são algumas das cidades que implementaram a ferramenta e adotaram slogans que se celebrizaram. Nova York tem o mais famoso slogan de todos “I❤️NY”, enquanto Singapura tem um slogan bem conhecido por europeus e asiáticos – “Passion Made Possible”. Vale para marcas-país também, é claro; a Austrália tem o bordão “There’s Nothing Like Australia”, num esforço de diminuir distâncias já que o país realmente fica no fim do mundo.

O mais impactante dos city brandings é o que temos visto acontecer nos países árabes, com Dubai se destacando como o maior exemplo de reposicionamento de todos. É claro que você deve estar pensando o óbvio aqui: dinheiro ajuda demais na conversão de imagem de marca da cidade, mas não é o suficiente. Mas nem tudo é dinheiro.

Não é dinheiro; é visão e inteligência                              

Em um passado não muito distante – eu diria há uns 15 ou 20 anos –, Dubai era conhecida como a cidade do ouro e do petróleo por seu comércio desses itens. Logo percebeu que deveria se (re)posicionar perante a comunidade internacional não só pela sombra que a indústria da extração traz em si, mas pensando no futuro, na redução da extração para produção de combustíveis fósseis.

Pode-se dizer que, apesar do excesso de dinheiro, o que nem sempre é fator de desenvolvimento inteligente e sustentável, Dubai foi gerida por visionários. Aliás, por um especificamente, o Sheik Mohammed bin Rashid Al Maktoum, que se tornou em 1990 Príncipe de Dubai e depois seu administrador. 

É sob sua liderança que a cidade evolui para se tornar o que é hoje. No ano 2000, o marco dessa escalada foi a inauguração do famoso Hotel de Luxo Burj Al Arab, na época o mais caro do mundo, que abre suas portas ainda mesmo sob uma cidade totalmente em construção. 

A partir daí, o projeto do sheik não tem pressa para terminar. Aliás, se podemos dar de exemplo um projeto de transformação de percepção e imagem de Estado de longo prazo é o de Dubai. Em 2003, o Sheik começa seu projeto pela ponta mais importante: o mercado financeiro. 

Atrai grandes eventos do mundo financeiro para lá, como reuniões anuais do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, posiciona Dubai como o Centro Financeiro Internacional do século 21, quase deslocando a importância dos tradicionais centros financeiros, como Londres e Nova Iorque. 

Outro marco arquitetônico é o Hotel Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, um símbolo de Dubai. Em 2007, a inauguração do Dubai Mall, um dos maiores shopping centers do mundo, iniciou uma escalada da cidade para o mundo da moda de luxo. 

Para encurtar uma longa história, a gestão de city branding então se desloca para duas outras áreas das mais importantes na seara do turismo: entretenimento e inovação. A diversidade de parques e eventos da tecnologia em Dubai faz a cidade ser considerada a maior cidade de nômades digitais do mundo (em quantidade de profissionais). 

Se por um lado a visão empreendedora do sheik em Dubai e seu capital puderam construir um lugar que gerasse consistência imagética impecável, por outro, a comunicação deste projeto de city Branding nunca “chegou lá”.  

Dubai nunca deixou de ser a cidade do ouro, apesar das duas outras tentativas de taglines para a cidade – quem tem duas versões vigentes não tem nenhuma. A cidade usa o “Definitively Dubai”, o que é bom porque é curto e uma espécie de call to action para visitação turística, e “Where the World Comes to Shop”, usado principalmente no contexto de destino de compras e que, cá entre nós, é irrelevante como oferta. 

Mas, você pode estar se perguntando: Dubai tinha muito dinheiro para essa construção de imagem, daí fica bem mais fácil, não? 

Não. 

Você já ouviu falar do distrito (cidade) de Songdo, na Coreia do Sul? É um caso de muito dinheiro que não deu em nada. Essa cidade, que fica perto de Seul, ao lado da cidade portuária de Incheon (lê-se Intxon) e dentro da zona de comércio livre do país, foi alvo de altíssimos investimentos do governo coreano e do agente imobiliário Gale International dos Estados Unidos na primeira metade dos anos 2000. 

Ele foi concebido como parte do projeto coreano de desenvolvimento tecnológico. O objetivo era criar uma cidade de classe mundial, totalmente sustentável que pudesse servir de centro de negócios para o mundo. Por isso Songdo foi idealizado para ser um dos maiores projetos imobiliários do mundo na época, com tecnologias inteligentes, espaços verdes e infraestrutura de primeira linha que pudesse servir de modelo para o mundo.

A cidade existe até hoje. Está lá; no entanto, já evoluiu bastante desde sua inauguração. Eu mesmo fui visitá-la em 2015 para ver de perto os prédios moderníssimos e sustentáveis e também testar a internet de alta velocidade livre (que bate até 500 giga) disponível nas ruas para qualquer pessoa. No entanto, do ponto de vista de comunicação em city Branding, é um fracasso total. 

Mas por quê? O projeto se mostrou super ambicioso para época e deu passos maiores do que a realidade. Antes mesmo do slogan fazer sentido (“City of the Future”), ele andava a passos lentíssimos com população em 2015 muito abaixo dos projetados 300 mil habitantes e com metade dos escritórios vazios numa prova de dificuldade em atrair as multinacionais asiáticas. 

Será que foi um problema de demanda superestimada? Ou de viabilidade econômica? Não importa. O projeto continua vivo, tentando alcançar o objetivo de ser percebido pelo posicionamento de um exemplo de cidade de negócios sustentável do século 21, meio que entre prédios vazios e tristes e zonas residenciais abandonadas. 

As melhores práticas

Estamos falando de uma equação complexa e bastante intrincada. City branding é uma mistura de políticas públicas com altos orçamentos, de gestão privada entrelaçada com a pública, de projetos de todas as ordens – que vão desde os arquitetônicos até os de mobilidade urbana, dos de convívio social aos de sustentabilidade.

E, curiosamente, a comunicação desempenha dois grandes papéis: ela inicia e finaliza o processo. 

Primeiro, ela inicia o processo com um call to action poderoso, suficientemente forte para mobilizar os esforços de diversos públicos envolvidos, norteando as atividades programadas e oferecendo direção e foco. Uma bússola orientadora de todo projeto. 

Do ponto de vista prático, a comunicação dá o pontapé inicial de um city branding e funciona como uma carta de intenções à cidade e ao mundo, que admite más condições da situação presente e promete mudança desse status quo num prazo determinado.

A COMUNICAÇÃO FINALIZA O PROCESSO ao embalar todo o trabalho realizado, seja por meio de uma campanha celebratória que destaque as conquistas alcançadas, seja por meio de um relatório que sirva como uma referência sólida do que foi feito e aprendido. 

É claro que todos os artifícios da comunicação moderna com influenciadores e celebridades são muito bem-vindos. Se tiver a oportunidade de participar de um projeto de city branding, não a perca. Como diriam na gringa, é um “once in a lifetime opportunity”. 

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